“Walk alone in an empty streets, walk alone in a silent city”, ouve-se de forma quase profética em Panoptical Architecture for Empty Streets in a Silent City, uma das canções mais à Pop Dell’Arte de Transgressio Global, o primeiro álbum, em dez anos, do grupo composto por João Peste, Paulo Monteiro, Zé Pedro Moura e pelo novo baterista Ricardo Martins, cuja edição estava prevista para março, mas foi adiada devido à pandemia. Um longo processo que resultou não só num disco muito variado, em termos musicais e temáticos, mas também naquele que é o mais extenso trabalho da longa carreira de 35 anos dos Pop Dell’Arte.
Ao todo, são mais de 80 minutos, divididos por 22 faixas, que incluem a primeira versão do trabalho de outro artista alguma vez gravada pelos Pop Dell’ Arte – do clássico El Derecho de Vivir en Paz, do chileno Victor Jara. Também pela primeira vez, existem temas construídos a partir de poemas de outros autores, neste caso de Luís Vaz de Camões, do poeta romano Gaio Valério Catulo e de um autor anacreôntico, desconhecido, que João Peste canta no grego antigo original.
A unir tudo isto há “um amplo conceito de transgressão”, inspirado pelas teorias do pensador francês Michel Foucault, sempre muito próximas do percurso e temáticas dos Pop Dell’Arte. Pelo meio, há momentos de rock and roll puro e duro, como Freaky Dance; temas assumidamente políticos, como Sem Nome ou Anominous; de clara contestação à atual sociedade, em especial ao trabalho e às relações profissionais com “a nova classe social do precariado”, nas palavras de João Peste; e há, até, uma canção dedicada a Apolo, o que não deixa de ser curioso numa banda aparentemente tão dionisíaca como os Pop Dell’Arte – ou então não, porque, afinal, sem ordem nunca poderia haveria transgressão.