Poucos livros poderiam ter um título mais ligado à realidade atual como este, e é quase impossível resistir a puxá-lo para livro de companhia. Mais ainda quando se tropeça, na página 29, em Convalescer: “Décadas a passar mal / e de repente o Sol / como diamantes / Estou bem / depois de estar mal.” Mas descontada a graça e despachado o contexto, o reencontro com a poesia de Adília Lopes é, ainda assim, terapêutico. Os seus poemas, apresentados à maneira de diário ou arrumados em poucas linhas (às vezes, apenas uma frase) como haikus confessionais – encostados ao universo doméstico, ao nonsense, à navalha da ironia, às gatas, aos medicamentos, aos sentimentos aparentemente pueris, às leituras eruditas – operam um desconcerto saudável nos leitores. “O prazer do texto sim / o frete do texto não”, lança a autora. Mas se se anda à procura de manifestos existenciais, SOS para as atuais angústias, também há pistas: “Só gosto das pessoas boas / quero lá saber que sejam inteligentes artistas sexy / sei lá o quê / se não são boas pessoas / não prestam”.
Precedidas por algumas fotografias da autora em criança, do pai e do avô, as páginas de poemas de Estar em Casa são também biográficas, habitadas por mãe, avó, a gata Lu, as paisagens das férias da infância, os lutos, a adolescência no Liceu Pedro Nunes, as contas da idade. É a “memória puzzle” a encaixar as peças, um literal estar em casa. Mas há também reflexões e trocadilhos inspirados por Agustina e Proust, Sophia e Cesário Verde, Pessoa. E o carácter lúdico: “Gosto muito de comparações. Escrevo muitas vezes a palavra como. Como gosto muito de comer até tem mais graça.” Cismas de uma autora particular.