1. “Paz Traz Paz”, de Afonso Cruz
Em Compensação, pequena história encontrada logo às primeiras páginas de Paz Traz Paz, o avô da menina, cuja voz já escutáramos em O Livro do Ano (2013), diz ao irmão desta: “Se só leres livros para crianças, não deixas de ser criança. Há muitas maneiras de o fazer, mas esta é a que prefiro: sair da infância a ler. Já que se perde tanto, pelo menos levamos connosco malas de histórias.” Um mandamento simples que tem sido seguido à risca por Afonso Cruz, tanto na literatura para crescidos que tem produzido (ah!, as “enciclopédias da estória universal”…) como nos livros ditos para os mais novos. É uma crença no poder de histórias exemplares e sabedorias antigas, que, aqui, se assume como manual de resistência para viver bem, viver eticamente, viver para “não sucumbir à normalidade”.
Com aforismos, meditações, confissões, diálogos com cúmplices da esfera familiar, a narradora examina o mundo que a rodeia e que os leitores adultos reconhecerão. Não há fiada cronológica nem conclusão ribombante, a não ser a intuição de que os pequenos gestos contam. É que “o mal é contagiante e pode ser pequenino e insignificante, mas pode crescer e crescer e crescer e crescer e vir a matar milhões de pessoas, porque o mal tem muita vontade de devastar”. Contra os “monstros” que crescem com a “ração do medo”, ou as ovelhas, “pessoas irritantes e faladoras a quem só se ouve mée” e que são “muito convidadas para dizerem isso na televisão”, ou “as pessoas que não saem dos sofás”, há que fazer a ginástica do inconformismo. Imitar o vizinho Manuel, por exemplo: em Lanche Quixotesco, vê desenhos animados do D. Quixote, e quando a mãe lhe perguntou se estava com fome, ele responde: “Não, mamã, estou só com coragem.” E entoar a rebeldia presente em Gatos: “Para fazer uma revolução, basta desobedecer aos donos. Ou seja, imitar os gatos.”
2.“A Filha de Vercingétorix”, de Jean-Yves Ferri e Didier Conrad
A sagacidade de Astérix, a suscetibilidade de Obélix, as zaragatas fraternas na aldeia da Armórica, as desventuras de romanos e piratas, as ilusões do bardo de voz de cana rachada, todos têm lugar cativo nos nossos afetos. Astérix, o Gaulês talvez seja mesmo a única banda desenhada que persiste nos hábitos de leitura de muitos adultos. Um novo álbum é, pois, sempre um acontecimento. E a história d’A Filha de Vercingétorix é um achado: Adrenalina, adolescente gótica com o rosto empinado de Greta Thunberg (Ferri e Conrad asseguram que a semelhança é mera coincidência…), é a filha desconhecida do herói gaulês caído em Alésia, Vercingétorix (“muito discreto quanto à sua vida pessoal”, alusão a Mitterand e à filha Mazarine Pingeot?). Herdeira de um torque, colar honorífico paterno, ela é perseguida por um traidor e por Júlio César (que a quer romanizar).
Mas Adrenalina, criada por dois guerreiros (os seus “papás”) que a deixam refugiada na aldeia gaulesa, rejeita as expectativas: aspira a uma vida tranquila e ecológica. Uma rebeldia ecoada pelos adolescentes da aldeia, como Selfix e Salgadix (filhos dos arqui-inimigos ferreiro e peixeiro), contestatários do “velho sistema menir-poção”, “bué ultrapassado”. E é assim que os temas da juventude contestatária, ecologia, casais gay, refugiados ou capitalismo (além do desaparecido Charles Aznavour, que traz a chanson lá para o meio) são aqui evocados, mas só de raspão… No balanço final, percebe-se que os autores reviraram o baú genealógico, ressuscitando gags reconhecíveis, e A Filha de Vercingétorix suscita a nossa curiosidade incondicional, mas, hélas, temos saudades daquelas piadas benignas e afinadas que faziam rir a bandeiras despregadas.
3. “História Ilustrada do Rock”, de Susana Monteagudo e Luis Demano
O rock não nasceu ontem. Com mais de 50 anos de vida, bem contados, já é quase uma música clássica, mas tem um superpoder: continua a ser associado a juventude e rebeldia e parece que renasce de cada vez que uns miúdos pegam numa guitarra elétrica, num baixo ou numas baquetas de bateria. Há muitas, e boas, histórias no mundo do rock, e as páginas dão vontade de as conhecermos melhor. O tom desta História Ilustrada do Rock (Orfeu Negro, 158 págs., €20) é didático, mas sem infantilizar os jovens leitores.
A informação vai bem para lá do óbvio (há capítulos dedicados, por exemplo, às editoras, letras, meios de comunicação, tribos ou avanços da técnica) e pode ser muito útil a gente de todas as idades. De Jerry Lee Lewis, Elvis e Little Richard a LCD Soundsystem, The National ou The Strokes – estão cá todos os grandes protagonistas da longa vida do rock’n’roll. Os autores (os espanhóis Susana Monteagudo e Luis Demano) não fogem ao lado mais negro dos excessos associados ao rock. Na dupla página dedicada aos “Cadáveres Bonitos”, recordam, sem inventarem histórias da carochinha, todos os que morreram demasiado jovens, de Buddy Holly a Amy Winehouse. P.D.A.
4. “O Alfabeto Nojento”, de David Machado e David Pintor
Os miúdos que gostam de slime vão rir muito com O Alfabeto Nojento (Caminho, 64 págs., €14,40). Descomplexado, faz cada letra corresponder a uma “asneira” de Henrique, com alguma escatologia, de chichi a puns, à mistura.
5. “Veloz Como O Vento”, de Gine Victor
Traduzido por Herberto Helder e inspirado numa história real, Veloz Como O Vento (Ponto de Fuga, 168 págs., €14,40) é uma belíssima narrativa de aventuras clássicas. Num tempo em que os mongóis ainda viviam como os antepassados, Kumbo, filho adotivo do chefe, aprende a vida, entre lobos, ladrões, príncipes, sábios e o seu cavalo negro.