A experiência de leitura deste Tratado de Funambulismo não será a mesma se saltarmos o prefácio de Paul Auster e se formos diretamente para os textos, quase sempre breves, que o compõem. Philippe Petit ficou mundialmente famoso quando, em agosto de 1974, caminhou sobre um arame entre as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque. Três anos antes, já tinha feito o mesmo (e também de surpresa, sem qualquer autorização) na Catedral de Notre-Dame. Antes ainda, o escritor norte-americano Paul Auster cruzou-se com Philippe numa atuação deste nas ruas de Paris e ficou impressionado com o que viu: “Ao contrário de outros artistas de rua, ele não se dirigia à multidão. Pelo contrário, parecia de algum modo ter autorizado o público a assistir ao desenrolar do seu pensamento (…). A sua destreza era absoluta, introvertida, tal qual uma conversa consigo próprio.” Em 1980, chegaria à fala com o artista, já famoso pelas suas inacreditáveis caminhadas sobre um fino cabo, por esse mundo fora. Foi nessa altura que soube que este prodigioso funâmbulo também escrevia e não hesitou em oferecer-lhe ajuda para divulgar os seus textos, recusados por vários editores em França e nos EUA.
Há algo de inocente, mesmo naïf, em muitos dos textos de Philippe sobre a sua arte. Mas respira-se neles uma tal paixão, uma tal inequívoca verdade, que uma dimensão poética, e também ética, se desprende das mais corriqueiras frases sobre arames, cabos, pés, caminhadas; também o risco, o medo, o equilíbrio, a morte, o prazer… “Uma espécie de parábola”, chama Auster a este livro, “uma viagem espiritual em forma de tratado”.
Louve-se a qualidade deste Tratado como objeto apetecível. É um dos novos títulos das edições VS., de Vasco Santos, durante anos o responsável pela editora Fenda. Na verdade, também ele é uma espécie de funâmbulo das edições nacionais, que bem poderia repetir estas palavras de Philippe Petit: “A questão não é bater recordes ou enfrentar riscos. Aquilo que me interessa é o espetáculo, o gesto grandioso.” Como se lê, a páginas tantas, “que há de mais audacioso do que um homem feliz em pleno voo?”.