1. Máquinas como Eu, de Ian McEwan
Romance que ensaia as possibilidades da Inteligência Artificial, cruzando Frankenstein, História reinventada e traições amorosas, Máquinas como Eu (Gradiva, 320 págs., €15) é o 15º romance de Ian McEwan, que aqui recupera os temas existenciais e da desolação afetiva. Esta é uma realidade alternativa situada em 1982, sinalizada por sobreviventes humanos: o precursor da computação Alan Turing é uma sumidade aceite (após ter cumprido pena de prisão por ser homossexual); os Beatles reuniram-se sem o sucesso esperado; o Presidente John Fitzgerald Kennedy está vivo; a Grã-Bretanha perdeu a batalha das Falklands. Os robots idealizados pela ficção científica são um bem de consumo, dotados de pele quente, voz, capacidade sexual (e uma tomada elétrica no umbigo). “Os humanos artificiais já eram um cliché muito antes de terem aparecido”, lê-se. Uma leitura ainda consoladora em tempos de algoritmo dominante, sem ética nem estética…
2. Maré Alta, de Pedro Vieira
De um nascimento inicial a uma morte por velhice, eis o fio cronológico que ampara o ambicioso número de equilibrismo literário de Maré Alta (Companhia das Letras, 472 págs., €18,80), terceiro romance de Pedro Vieira. Esta é uma história pátria sem bordaduras finas nem bandeiras desfraldadas, um “Portugal dos pequeninos” imaginados por entre os feitos da História com “h” maiúsculo que, quase sempre, os levou de roldão. Em vez de reis e generais e intelectuais, Pedro Vieira preferiu narrar as (des)venturas de quem teve sempre de “esgadanhar” um futuro – “aqui d’El Rei, que não temos que comer”, recorda-se esse pregão logo às primeiras páginas, ainda o País está às portas do Regicídio de 1908, para nas últimas linhas do romance se assistir à cena da “evisceração” de uma casa pós-funeral, “os homens esgadanham-se por uma panela de pressão, um micro-ondas praticamente novo”, luxos consumistas dos anos 1980, lado B da liberdade.
3. O Pássaro da Perfeição, de Sérgio Sant’Anna
Cinquenta anos de vida literária do mestre brasileiro do conto condensados em 27 ficções (incluindo uma inédita e recente). Aqui se evidencia a mestria narrativa, a humanidade de personagens contraditórios, que incluem anti-heróis, mulheres desiludidas ou, até, João Gilberto. Há, ainda, o humor (por vezes negro) com que Sant’Anna disseca a condição humana neste O Pássaro da Perfeição (Tinta da China, 360 págs., €18,90). Dito de outra forma: uma masterclass de escrita.
4. O Livro das Tréguas, de Lídia Jorge
Uma “espécie de autobiografia consentida” chama a autora de tantos romances da nossa vida (como O Dia dos Prodígios e A Costa dos Murmúrios) ao seu primeiro livro de poesia. O Livro das Tréguas (D. Quixote, 104 págs., €11,90) reúne 50 poemas, mais próximos da respiração da prosa poética do que da do verso contido, onde cabem tanto o Algarve como uma obra “cheia de fábulas”, a maternidade, o feminismo, a guerra (Iraque, Síria…), a fé e a “pirotecnia privada” duma galáxia de personagens.
5. O Nu na Antiguidade Clássica – Antologia de Poemas Sobre a Grécia e Roma, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Navegando ainda as comemorações do centenário de Sophia, celebre-se igualmente a reedição de um volume especial, publicado há 27 anos e há muito esgotado: O Nu na Antiguidade Clássica – Antologia de Poemas Sobre a Grécia e Roma (Assírio & Alvim, 224 págs., €16,60) é um objeto híbrido. Reúne uma seleção de poemas habitados por “deuses, mitos, paisagens, estátuas e templos”, escolhidos por Maria Andresen de Sousa Tavares (filha da poeta), a um amplo texto escrito por Sophia. Sobre o livro, o prefaciador José Pedro Serra caracteriza-o como “ontologia da inspiração”, um horizonte de onde parte a viagem poética. E Maria Andresen refere “uma espécie de deslumbrado reconhecimento de uma ideal pátria poética”. Para o leitor, é um reencontro inspirador.
6. Verde, História de Uma Cor, de Michel Pastoureau
Verde que te quero verde? Além das paixões clubísticas em Portugal, toda a gente tem uma teoria ou um ditado pronto a usar sobre esta cor secundária, resultante da mistura entre o azul e o amarelo. Pigmento quimicamente instável, esta sua transitoriedade exemplifica bem as transformações de que foi alvo. Michel Pastoureau, historiador e professor catedrático de História da Simbólica Ocidental, diz que, em território europeu, cerca de uma em cada seis pessoas tem o verde como cor preferida, mas quase dez por cento detestam-na. Para os leitores atuais, absorvidos pelas urgências ambientais, será surpreendente saber que só o Romantismo é que transformou o verde na cor da Natureza. Mas Verde, História de uma Cor (Orfeu Negro, 320 págs., €16) está cheia de petites histoires da Sociologia, fé, política, Arte ou Ciência (apenas faltam, na edição portuguesa, as belas ilustrações). E mostra como “uma cor nunca vem só” e como as nossas “verdades” variam com as épocas.
7. O que eu Ouvi na Barrica das Maçãs, de Mário de Carvalho
É ao clássico de Robert Louis Stevenson A Ilha do Tesouro (1883) que o autor vai buscar o título desta reunião de textos, recuperados do século passado: Mário de Carvalho cultivou crónicas – mensais no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias (entre 1987 e 1989) e quinzenais no Público (1992 a 1993 e em 1996, já sob o nome Na Barrica das Maçãs). Expurgadas as crónicas mais datadas, feita a boa colheita dos frutos que ainda trincam a atualidade, chegou-se a este volume em quatro atos (Divagando, Intervindo, Oficiando, Rememorando) que refletem “o ficcionista, o cidadão, o comunicador e o memorialista”, e em que, recorda o prefaciador Francisco Belard, “o erudito e o vernáculo coexistem com plebeísmos”. Por aqui, tanto passam os desprezos da gata de família Mafalda e os cromos lusos como os “vaidosões”, os “viajados” ou os “tecnocratas”, como a denúncia do “jornalismo cão” e do “pato-bravismo”, a opinião contracorrente de que “nunca, em parte nenhuma e em nenhum tempo, um povo foi sábio”, ou divertimentos biográficos sobre Fernando Pessoa (“contrabandista de perfumes na fronteira do Caia” e “apreciador de marisco”) – afinal, pode brincar-se com Pessoa.
8. Sophia de Mello Breyner Andresen, de Isabel Nery
O mistério insondável de Sophia (1919-2004) nunca ter sido biografada ganha uma explicação oferecida por Eduardo Lourenço neste volume com o timing certo para as comemorações do centenário do nascimento da única escritora portuguesa no Panteão Nacional: “O estatuto social dela não era de grande proximidade. As pessoas não se atrevem a explorar esse modo para saber mais sobre ela.” Isabel Nery fê-lo, e até pede perdão pelo “atrevimento”, mas escorou-o bem na ampla experiência de jornalista e na atitude desassombrada de quem não trocou o rigor por uma eventual beliscadura na aura da poeta. Para escrever este livro – nem biografia autorizada nem homenagem subserviente –, a autora assumiu os mandamentos da reportagem, valorizou geografias como raízes de identidade e ancorou-se no porto seguro do contexto e das palavras – as que Sophia deixou escritas, as que sobre ela tantos outros escreveram, as que ouviu em cerca de 60 testemunhos recolhidos.
9. Na América, disse Jonathan, de Gonçalo M. Tavares
É desconcertante ter um registo on the road de Gonçalo M. Tavares, mais associado à digressão mental. Na América, disse Jonathan (Relógio D’Água, 110 págs., €15) apresenta-se como uma viagem real do autor (que até se mostra fotografado na estrada vazia) entre a Califórnia e a Florida. Aparentemente, percorrem-se os marcos todos – Death Valley, Venice Beach, Yellowstone, Las Vegas… Mas este “diário-ficção” está cheio de reflexões existencialistas e de “estranheza”, induzidas quer pelas opiniões veementes do tal Jonathan (compagnon de route sobre quem o autor assume dúvidas sobre a sua existência) quer pelo “projeto Kafka”: Gonçalo levou consigo um retrato do autor checo, elemento fantasmático a questionar o mundo em que vivemos, porque “imagem é presença”.
