Não atende o telemóvel nem vê futebol, cultiva a preguiça e tem boa opinião sobre quem tem muitas opiniões. Assim é, descontraído e livre, Miguel Araújo no seu perfil de cronista, quinzenalmente aqui na VISÃO. Ao contrário desse exército feroz que ocupa o espaço público, neste ofício não lhe interessa o hoje e o agora. “Não gosto muito de escrever sobre a atualidade, porque as coisas acontecem depressa e a mole humana é célebre em galvanizar-se ou ofender-se com esta ou aquela peripécia da vida pública”, diz o músico. O seu espaço é o da memória.
Ler as suas crónicas, agora reunidas no volume Penas de Pato, valorizado com textos inéditos, é abrir a porta da sua intimidade, dissimulada e reinventada através da escrita. Como nas letras das suas canções, primeiro na banda Os Azeitonas, agora a solo, Miguel Araújo faz das crónicas microenredos, que se desenvolvem através de pormenores, normalmente geracionais (nasceu em 1978), do mundo da música e de um sentimento de não pertença. Tanta vezes, o mundo não pula e avança, mas confunde e entristece. Ao criador resta colocar um “vidro fosco” diante dos olhos, distorcer o jogo a seu favor e criar um mundo novo. A inclusão, neste volume, de “pequenos contos de cordel” sugere o apelo da ficção, o que novas crónicas (ou livros) poderão confirmar.