É impossível apurar, com propriedade, por que razão uns autores veem a sua obra (quase) completa traduzida num país, e outros, de igual ou superior qualidade, são relegados para a descoberta tardia, às vezes póstuma. James Salter é um caso paradigmático dessa invisibilidade. Nome maior da literatura norte-americana das últimas seis décadas, só em 2015, ano da sua morte, teve direito a estreia em Portugal. Lamenta-se a ausência, saúda-se a publicação, sobretudo porque teve continuidade. Depois de Tudo o que Conta e A Última Noite e outras Histórias, a editora Livros do Brasil lança o seu título mais famoso.
De 1967 e com frutuoso impacto em sucessivas gerações, Brincadeira e Divertimento fez a síntese de algumas tendências do romance norte-americano da época. Da geração beatnik de Jack Kerouac, recebe o gosto pela estrada fora. E, do início ao fim, há um carro que avança, dia e noite, pelas estradas secundárias de França, pois é no interior (e no oculto) que um país se revela e a diferença (afastada da multidão) se destaca. Da linha transgressora de Henry Miller assume a pulsão sexual (também voyeur), o que faz deste livro um clássico do género.
Porém, ao dar ao romance consciência de si próprio, James Salter afirma a sua individualidade. O narrador recua aos tempos em que acompanhou de perto a relação amorosa entre Philip Dean e Anne Marie, que se conheceram a meio da viagem (ele tinha um belo carro, ela um enigma no rosto). O relato, contudo, não sabe se recorda ou se inventa, viajando assim à essência do ato de contar. E de escrever.
Brincadeira e Divertimento (Livros do Brasil, 192 págs., €15,50) é um dos muitos testemunhos literários do fascínio que França exerceu sobre grande parte dos escritores norte-americanos do século XX