A vida não tem corrido muito bem a Kanye West, tendo em conta o seu apoio a Trump, o cancelamento da digressão por alegados problemas mentais ou, ainda, as declarações sobre a escravatura ter sido “uma escolha”. Uma carreira construída por discos geniais afundou-se, quase por completo, com o seu ego gigantesco a pesar no pântano mediático.
Com uma humildade até agora pouco conhecida, o artista norte-americano responde, do melhor modo que sabe, apresentando um trabalho em que se reafirma como um dos melhores produtores de hip-hop de sempre e um rapper como também há poucos. Ye é um disco cru e direto – talvez o mais pessoal –, no qual Kanye aborda a depressão, a infidelidade, a adição aos opiáceos e os pensamentos suicidas: “E eu penso em matar-me, e eu amo-me muito mais do que vos amo, a vocês, portanto hoje pensei em matar-vos”, diz, em registo de spoken word, em I Thought About Killing You. Este tema serve de mote para as confissões, os desabafos e até os pedidos de desculpa seguintes, tudo embalado por uma sonoridade soul e R&B, a puxar para uma nostalgia do passado e a aconchegar o futuro no confuso presente. “Não te enganes, miúda, eu continuo a amar-te”, canta em No Mistakes. “Continuamos todos a ser os mesmos miúdos de sempre”, diz em Ghost Town, um dos melhores temas, feito com os amigos 070 Shake, Kid Cudi e PARTYNEXTDOOR, e no qual também declara: “Tenho tentado tudo para que me amem, mas tudo o que faço só vos afasta cada vez mais de mim.” Com discos destes, talvez não.