HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO, de Bruno Vieira Amaral
Uma tour de force, a deste romance identitário, que superou as expectativas do segundo romance, essa pseudo-maldição que acossa escritores com estreia fulgurante, como foi o caso de As Primeiras Coisas (2013), de Bruno Vieira do Amaral. O autor aplicou a sua escrita, seguríssima, tão evocativa como crua, rica de apontamentos quotidianos e sem exibicionismos, para provar que é capaz de altos voos, a uma história do álbum biográfico: o assassínio do primo João Jorge, 21 anos, em fevereiro de 1985. Tragédia convertida em investigação existencial e peregrinação literária, tanto aos territórios suburbanos como à memória e aos afetos. Quetzal > 363 págs. > €17,70
ATÉ QUE AS PEDRAS SE TORNEM MAIS LEVES QUE A ÁGUA, de António Lobo Antunes
Um alferes regressa da Guerra do Ultramar com uma criança órfã, um rapazinho negro que é adotado como filho, e que será também memória viva do sangrento conflito, já que o soldado lhe matou os pais biológicos. Quatro décadas depois, uma festa de matança de porco na aldeia da família portuguesa puxa os fios soltos desta tragédia à espera de conclusão ou redenção. À VISÃO, Ana Paula Arnaut, especialista da obra do autor, defendeu que é a primeira vez que Lobo Antunes “escreve um romance inteiramente sobre a Guerra Colonial”, tema fulcral na sua obra, e que este volume confirma “um novo ciclo na produção literária antuniana”. Dom Quixote > 456 págs. > €20,90
HOMO DEUS – HISTÓRIA BREVE DO AMANHÃ, de Yuval Harari
Não é preciso ler Sapiens – História Breve da Humanidade, a extraordinária análise da evolução humana escrita pelo historiador israelita, para compreender Homo Deus. Aqui, Harari disseca o nosso futuro, defendendo que será negro. Há uma mudança de paradigma que revê o mito de Prometeu: os homens tentarão ser deuses, através da engenharia genética, da Inteligência Artificial, e de outras ferramentas tecnológicas de difícil controlo. Questões novas, antes impensáveis, colocar-se- -ão, como a da conversão de organismos em dados e algoritmos, e a da inteligência superior destes face aos seus criadores. Elsinore > 478 págs. > €21,98
A ESTRANHA ORDEM DAS COISAS, de António Damásio
Dotado com o subtítulo A Vida, os Sentimentos e as Culturas Humanas, este volume ecoa as questões de Yuval Harari, já que também aborda a humanidade confrontada pela tecnologia. O neurocientista António Damásio responde a esta e a outras questões sobre a condição humana e a consciência, partindo de uma premissa: a de que os sentimentos ainda não foram reconhecidos como motores da cultura humana. E interroga-se se a imortalidade, perseguida pelos avanços tecnológicos, “eliminaria o mais poderoso motor da homeostasia impulsionada pelos sentimentos: a descoberta da inevitabilidade da morte”. E se suprimir outros motores, como o prazer, não criaria um “universo zombificado”. Temas e Debates > 384 págs. > €21,90
O MINISTÉRIO DA FELICIDADE SUPREMA, de Arundhati Roy
A autora dedicou este belo livro aos Desconsolados, assim mesmo, com maiúscula. E esse é o território deste romance complexo, colorido, tridimensional, recheado de personagens inesquecíveis que poderiam ser protagonistas por direito próprio de outros livros. Arundhati Roy é uma escritora militante para quem a literatura será sempre mais do que contar boas histórias, antes preferindo oferecer uma narrativa encharcada em humanismo e denúncia. E isto não só porque as grandes questões políticas e históricas da Índia, sobretudo o conflito em torno de Caxemira, estão aqui muito presentes, mas também porque as suas figuras ficcionais, sobretudo as femininas, são exemplos de luta e resistência − contra as injustiças e preconceitos de classe, de género, de cultura. A condição humana no cenário de Nova Deli, em suma. Mas, apesar da existência de muitas vozes que se querem fazer ouvir, duas destacam- -se da multidão: a de Anjum, que nasce Hijra, o termo urdu para a bebé que não era nem masculina nem feminina, e que viverá os primeiros anos no palácio protegido da Khwabgah, e os seguintes num cemitério, “como uma árvore”, resistindo a tudo; e a de Tilo, arquiteta que, por amor a um rebelde, acabará refugiada nessas mesmas campas. Em redor, musas, vítimas, pássaros e velhos sábios, a violência e beleza do mundo narrado ao longo de 50 anos, até hoje. Um regresso triunfal para Roy, 20 anos passados sobre a estreia com O Deus das Pequenas Coisas (prémio Booker 1997). ASA > 464 págs. > €19,90
LINCOLN NO BARDO, de George Saunders
Vencedor do prémio Man Booker 2017, este é um daqueles livros que não precisam do beneplácito de um galardão para serem ouvidos, nem são importações sobrevalorizadas. Primeiro romance deste autor americano, Lincoln no Bardo é uma experiência − no sentido em que há poucas obras escritas assim, e em que poucos leitores emergem incólumes e indiferentes das suas páginas. O título remete para um conceito tibetano: “bardo” é o estado intermédio entre morte e renascimento. É onde está Willie, filho de um inconsolável Presidente Abraham Lincoln, que faz visitas noturnas à campa (facto verdadeiro) no cemitério Oak Hill. Aí, um coro de espíritos tem as suas próprias histórias para contar nesta tapeçaria narrativa.
Relógio D’Água >
368 págs. > €19
POESIA, de Mário Cesariny
Poucos poetas portugueses terão experimentado tão livremente a palavra, iluminada por uma incandescência que não obedecia a gavetas arrumadoras − lembrem-se “ó literatos”, para citar o próprio em Raio de Luz quando invetiva que “burgueses somos nós todos”. Este volume celebratório constituiu a primeira reunião de toda a obra de Cesariny, razão bastante para constar nesta lista. Edição anotada e não crítica, chama–lhe Perfecto E. Cuadrado, amigo de sempre do poeta, especialista em surrealismo, responsável pela edição, prefácio e notas. De fora (prometidos para outros tomos), ficaram picto- -poemas, produção dramática, e o incomparável e inclassificável texto Titânia. Mas está lá tudo o que é poesia dele. E nossa. Assírio & Alvim > 776 págs. > €44