Samuel Úria ocupa um lugar peculiar, muito seu, na música popular portuguesa deste século. Com este Carga de Ombro, o seu disco mais sólido, mais trabalhado, com acabamentos mais cuidados, aprofunda as suas raízes nesse seu espaço. Começou como quem experimenta a habilidade de juntar palavras e música à vista de todos. O resultado era uma pop pouco óbvia, canções que não entravam à primeira escuta, onde se aprendia a reconhecer clarões de inspiração e estilo próprio. Afinal, a sua “escola” convidava a isso mesmo, a essas experiências à vista de todos: ele foi um dos nomes lançado pela editora Flor Caveira (de Tiago Guillul) que, já há mais de uma década, quis alargar horizontes com uma atitude punk mais presente nos métodos do it yourself do que nos resultados. Entre muitos projetos, Samuel foi crescendo em nome próprio como escritor de canções, espécie de “trovador” contemporâneo e elétrico. As 11 canções de Carga de Ombro sublimam as suas características, num total que é mais do que a soma das partes. Há uma aprendizagem profunda da mais clássica música popular portuguesa na inventividade e no uso de um vocabulário rico (que podem fazer pensar em Zeca ou Sérgio Godinho), mas também o trilhar dos caminhos mais recentes do género (aqui e ali é fácil encontrar pontos de contacto, por exemplo, com os Diabo na Cruz, também da escola “Flor Caveira”); há lirismo lado a lado com o gosto pouco escondido pela energia do rock de guitarras em distorsão; há um lado quase litúrgico, aqui presente sobretudo em Ei-lo, com a voz de Selma Uamusse e muitas outras em coro (da identidade de Samuel Úria faz parte a sua ligação à Igreja Batista Evangélica, o que, em Portugal, lhe dá uma certa aura de exotismo). O disco conta com a colaboração de David Fonseca (na bateria em Repressão) e Francisca Cortesão (voz na belíssima Vem Por Mim). Tudo junto… funciona. Haja fé na música popular.
Ouça Dou-me Corda: