De Rubem Fonseca, esperamos música sincopada: tiros ritmados, navalhadas rápidas dos detetives de viela, as imprecações dos advogados amorais (Mandrake), o palavreado dos malandros cariocas, os ais das mulheres fatais com pele perlada de suor, os impropérios dos maridos desconfiados, as sirenes das ruas… O seu território ficcional é, numa mistura de parágrafos ágeis e cenas violentas, um noir tropical, nascido da predileção precoce pela literatura americana.
A banda sonora é outra neste volume, de 1994, sobre o compositor Antônio Carlos Gomes. Filho de um mulato mulherengo e alfaiate, protegido do imperador D. Pedro II, autor de óperas famosas como O Guarani, estreada no Teatro Scala de Milão em 1870, Gomes vingou na Itália de Verdi e de Puccini antes da queda – à maneira das tragédias operáticas. Livro híbrido, O Selvagem da Ópera assume uma mistura de pautas entre romance, biografia e argumento cinematográfico: “Todos os personagens existiram, com exceção de apenas quatro no meio de dezenas e dezenas de nomes citados entre os contemporâneos de Carlos. Todos os factos são verdadeiros. Algumas lacunas foram preenchidas com a imaginação. Isto é um filme, ou melhor, o texto de um filme que tem como pano de fundo a ópera, como principal personagem um músico que depois de amado e glorificado foi esquecido e abandonado, um filme que pergunta se uma pessoa pode vir a ser aquilo que ela não é, um filme que fala da coragem de fazer e o medo de errar”, escreveu o autor. No retrato de um “sôfrego epistolário”, de um “selvagem que faz sucesso no Scala”, Fonseca segue a sua música: a História é respeitada, mas a história avança através de parágrafos curtos e secos, descrições elípticas, apontamentos que revelam a selvajaria (preconceito, racismo, ambição…) por dentro das camisas de gala.
O Selvagem da Ópera
De Rubem Fonseca
Sextante Editora
288 págs., €16,60