É da piscina ao ar livre que se tem a melhor panorâmica frontal para a montanha do Pico, assim se dissipe a neblina sobre o ponto mais alto de Portugal (2 351 metros), enquanto nas nossas costas fica o Atlântico, oceano tantas vezes endiabrado. A Adega do Fogo, novo alojamento em São Roque do Pico, é o resultado final da restauração de uma antiga casa rural em pedra, com pelo menos 200 anos, contados a partir da data da sua construção. Estamos na freguesia de Santa Luzia, onde as pessoas viviam da vinha e da aguardente de figueira, tanto que era costume irem à ilha vizinha trocá-la por farinha, pois como dizem as “gentes” da terra: “Faial é terra, aqui é pedra.”
Do novo projeto de Benedita Branco – também proprietária do Lava Homes, eco resort aberto em 2018, na freguesia de Santo Amaro –, fazem parte uma destilaria e quatro alambiques, inseridos numa propriedade com 4 500 metros quadrados, cheios de basalto muito negro e encordoado (com aspeto de cordões), devido ao arrefecimento brusco da lava do vulcão.
Aberto o portão vermelho, é o alambique de cobre que nos dá as boas-vindas, tal como Benedita Branco, 55 anos, nascida em Ílhavo e neta de lavradores, sempre pronta para ordenhar vacas, semear milho ou sachar batatas. Aos 15 anos, quando namorava com um rapaz cujo pai tinha casa no Pico, trocou o verão da Costa Nova pelo de São Roque do Pico. Passadas quatro décadas, é hoje uma empresária acarinhada na ilha – onde não há nem um semáforo –, para quem todos querem trabalhar.
Além dos seis quartos batizados de Fogo, Sol, Mar, Lava, Vento e Terra – com camas grandes e muito confortáveis, vigas de madeira no teto, salamandra para o inverno, ar condicionado para o verão e roupeiro minimalista –, Benedita quer fazer uma espécie de laboratório de experimentação para produzir aguardente de uva, de figo (do vermelho, melhor do do que o pingo-de-mel), de banana (existem no lado sul da ilha), de milho e de batata-doce.
Na Adega do Fogo nada se deitou fora. Os dois garrafões de 50 litros com aguardente (com mais de 30 anos, seguramente) encontrados são agora os candeeiros da sala de jantar, com a cozinha montada num balcão elevado; o braço para espremer as uvas faz de banco de madeira, junto ao alpendre com a melhor sombra; e as mais de 30 barricas usadas antigamente para a fermentação da fruta decoram agora a zona em redor da piscina aquecida.
Este turismo rural com horta, arrumada em curralinhos com legumes, mas também com flores cor de laranja comestíveis, dá muitos dos ingredientes que Isilda Ávila, picarota mas com uma vida passada no Canadá, pode cozinhar, assim queiram os hóspedes. Carne estufada com batatinha da terra, lapas com molho de alho, azeite, malagueta e limão, bolo de milho, lulas guisadas com arroz de alecrim e cebola, atum-albacora, arroz-doce – tudo confecionado em panelas de cobre, que também dão para a caldeirada de peixe.
À noite, antes de fitarmos o céu negro mais nítido de sempre, com as estrelas e a Via Láctea como companhia, fomos apanhar caranguejos na Furna de Santo António na companhia da cozinheira Isilda. Os mimos do pequeno-almoço são inesquecíveis, com a manteiga artesanal Rainha do Pico, mais salgada e mais saborosa, pão doce, broa de milho, queijos caseiros de cabra, de vaca ou de pasta mole, compotas, ananás do mais pequenino, suculento e aromático, mel de incenso para o queijo de ovelha.
E o que melhor pode acontecer depois de uma manhã passada numa massagem tailandesa? Um almoço no meio do bosque, junto ao forno a lenha. Quem nunca imaginou ter um solar todo por sua conta, sem ter de se cruzar com outros desconhecidos, que levante o braço.
Adega do Fogo > R. Marginal, 1, Cabrito, Santa Luzia, São Roque do Pico > T. 91 980 3181 > Solar completo com 6 quartos (12 pessoas), piscina, sauna, salas de estar e de jantar, cozinha e pequeno-almoço €2000/noite (mínimo 3 noites no inverno, 5 no verão)
Aqui à volta
O que visitar e onde comer na ilha
Adega do Caisinho
Em Santo Amaro, onde outrora laboraram seis oficinas de construção naval, para os barcos atuneiros, há uma casinha de madeira que merece especial atenção. Fica perto da Poça do Cabrito, e, depois de uns mergulhos nestas piscinas naturais, nada como um generoso hambúrguer, um prego do lombo ou uns tacos e burritos, acompanhados de um gin açoriano, ao som da escolha musical do DJ, no alpendre. Entre pelo bosque encantado, com lugares sentados entre as árvores, até chegar a um pequeno miradouro sobre o mar imenso e contemple toda a sua beleza. R. do Canto, 17, Santo Amaro > T. 292 642 143 > seg, qua-dom 18h-1h
Cerca dos Frades
Este projeto recente de Tito Silva passa por um lajido, zona plana em que o magma chegou e ali arrefeceu, onde o seu avô tinha um pinhal e uma vinha, a que Tito ia num carro de bois. Há cerca de dez anos, para não perder o acesso ao terreno do avô, Tito comprou a Cerca dos Frades com os seus currais e curraletas, num solo rico em pedra abrasiva. A visita ao vinhedo, onde o produtor cultiva as três castas autóctones – Verdelho, Terrantez do Pico e Arinto dos Açores –, faz-se de conversas, histórias e muita simpatia. No fim, eis um piquenique no alto da propriedade para brindar ao vinho do Pico. Lajido de Santa Luzia, S. Roque > T. 91 820 4338
Poça dos Arcos
Da Adega do Fogo à Poça dos Arcos distam apenas dois quilómetros fáceis de percorrer a pé, pela estrada de alcatrão ou pela pedra encordoada, ou de bicicleta. Chegados a esta zona balnear com piscinas naturais, os bahos de mar e de sol são obrigatórios.
Aqua Açores
No lado sul da segunda maior ilha dos Açores, as Lajes do Pico são o lugar ideal para se partir, num passeio de barco, para a observação de cetáceos, uma zona de passagem das rotas migratórias, com uma maior profundidade do mar. Durante as três horas de passeio, podem avistar-se algumas das 23 espécies que por ali passam, exemplo da baleia-piloto, do golfinho-moleiro e do golfinho-riscado, da sardinheira e dos cachalotes, inconfundíveis pela sua barbatana caudal, imagem do arquipélago. Cais das Lajes do Pico > T. 91 756 9453 > €50 a €75/pax