Há qualquer coisa de estratosférico no Dá Licença. O Alentejo está por todo o lado e, no entanto, parece que não temos os pés bem assentes na terra. É a janela do quarto em forma de escotilha, é a zona da piscina que mais parece uma paisagem lunar e é, sobretudo, todo o mármore imaculado de que estamos rodeados.
O reino do Dá Licença, a sete quilómetros de Estremoz, não é definitivamente deste mundo. E a “fotografia grande” é demasiado grande para começar por aí. O hotel foi construído numa propriedade cujas primeiras casas datam de meados do século XIX, sem esquecer a ligação à indústria da exploração de mármore da região. Comecemos pelos pormenores que, como quase sempre acontece, têm toda a importância. Por exemplo, pelos lavatórios feitos à mão por Francesco Pluma, um artesão da aldeia vizinha de São Bento do Cortiço; pelo prato no qual é servida a sericaia com gelado de baunilha e cujo peso desafia o equilíbrio do braço que o traz à mesa; pelo banco de jardim que, lá adiante, está mesmo a pedir que nos sentemos a olhar para o montado sem fim. Foram todos esculpidos à mão, no mármore, a matéria-prima da terra por excelência.
O Dá Licença, uma finíssima guest house, também é indissociável de quem a criou: Vítor Borges e Franck Laigneau. O primeiro é português e, até se instalar em Paris como diretor-geral do departamento de têxteis e sedas da Hermès, trabalhou como gestor pelo mundo fora. O segundo é francês, foi ator, trapezista e, durante 20 anos, proprietário de uma galeria na capital francesa. Para Portugal mudaram-se há meia dúzia de anos, já depois de comprarem estes 120 hectares (com 13 mil oliveiras, romãzeiras, nogueiras, figueiras…) que, noutras vidas, pertenceram às freiras do Convento de Estremoz e a uma cooperativa, que durante uns tempos explorou o olival e o lagar da herdade.
O hotel abriu em março do ano passado, devagarinho. Vítor fez encomendas aos artesãos da zona, mais habituada, conforme explica, “a exportar o mármore do que propriamente a trabalhar a matéria-prima”. E também ajudou no desenho arquitetónico, a cargo de um gabinete de Estremoz, o Procale. Dominam as linhas direitas, o branco, as ligações entre o interior e o exterior. Os lavatórios e as banheiras são exemplo de um trabalho quase sobre-humano – e, só por isso, merecem toda a atenção.
Viver a arte
Composto por três edifícios, o Dá Licença dispõe de um total de cinco suites e três quartos. Todos têm áreas grandes (enormes, na verdade, entre os 50 e os 180 metros quadrados) e – sem hipérboles – estão decorados como mais nenhum outro hotel em Portugal. “Queríamos que a arte encontrasse a Natureza”, diz Vítor.
Entre as várias peças de mobiliário Jugendstil (a variante nórdica da Art Nouveau) e de design antroposófico (originado pela filosofia de Rudolf Steiner), Franck faz questão de chamar a atenção para o facto de não haver arte maior e arte menor. E aponta para uma cadeira num dos cantos da sala que dá para a “piscina infinita”. Trata-se de um exemplo do chamado estilo viking, e é de 1908. Desenhada por Lars Kinsarvik, norueguês que, nas artes decorativas, se distinguiu pela pintura em madeira, é porventura a peça que, no Dá Licença, mais parece fazer parte do acervo de um museu. E nas peças de museu, já se sabe, não convém tocar. Muito menos sentar. A propósito, afirma Franck que lhe interessa pôr estas peças “num contexto de vida”. E Vítor acrescenta: “Todo este mobiliário foi criado para estar em casa, não numa galeria.” Se o luxo existe neste mundo, ele anda por aqui. Nada que ver, claro, com o preço das coisas. Antes com o valor de, num mesmo lugar, juntar arte e Natureza como se ambas tivessem o mesmo criador.
Nas refeições do Dá Licença, privilegiam-se produtos e produtores locais. No final da primavera, no edifício do antigo lagar, onde hoje funciona a galeria com a coleção de arte privada, abrirá um restaurante com capacidade para 30 pessoas.
Dá Licença > Outeiro das Freiras, Santo Estêvão, Estremoz > T. 96 295 0540 > reservations@dalicenca.pt > a partir de €270 (quartos) e de €350 (suites)