Há aquela enorme parede de vidro a todo o comprimento, virada para o Jardim Amália Rodrigues. É de lá que nos chega Lisboa, ou parte dela, um dos melhores retratos dela. Hoje está cinzento, cai muita chuva lá fora, mas faz parte. Cá dentro, dentro do restaurante Eleven, há uma mesa bem aconchegada. De comida irrepreensível e de bom vinho. Tão aconchegada, que o ar condicionado tem de ser diminuído quando ainda só provávamos a focaccia de tomate que nos serve de entretém, enquanto os pratos que constam na ementa de inverno não chegam à mesa.
Como habitual, o amuse-bouche abre as hostilidades e apanha-nos com o olhar perdido no horizonte, que chega até ao Tejo: Bivalves à bulhão pato, com clorofila de coentros e espuma de bulhão pato. “Bom apetite”, é sempre assim que terminam as apresentações de cada ato desta refeição pelo chefe de sala. Obedecemos e não deixamos pinga no enorme prato branco onde os bivalves – mexilhão, canivete e amêijoa – se arrumam bem ao centro, num pequeno círculo côncavo. O mesmo voltamos a fazer com os pratos seguintes, mas isso há de ser mais lá para a frente.
Entretanto, dá-se pela mudança de visual da sala. E é Miguel Júdice, dono do restaurante que desde 2014 conserva uma estrela Michelin, quem explica como parte dos Painéis de São Vicente estão agora à mão de semear de quem vai ao Eleven. “Pedi ao diretor do Museu de Arte Antiga que escolhesse algumas obras emblemáticas da sua coleção, reproduzi-as e espalhei-as pelo restaurante.” O pé direito alto e a área espaçosa recebem-nas muito bem.
Daqui a nada vem a trufa
Desta vez, temos à frente dos olhos uma vieira corada com pancetta de porco preto e umas pedritas de flor de sal que se esqueceram de se dissolver no marisco (€39). A rodeá-la, há couve flor em todo o seu esplendor: pickles, cuscus e puré. Como adoramos vieira, não há uma vírgula a acrescentar a este prato, que ainda por cima é exemplar também aos olhos.
A um cantinho, lá está um pequeno cubo vermelho. É a assinatura do chefe Joachim Koerper, algo que faz há muitos anos, desde que esteve no Sul de França e comeu o melhor tomate da sua vida. “Só não o uso quando algum prato leva trufas”, avisa. E por falar nisso… O aroma delas, negras – que é agora a sua época – chega aos nossos narizes. Há quem pegue no prato, para as cheirar melhor, mas nem é necessário.
A seguir, vêm despejar suavemente o creme parmantier, que se mistura na perfeição com o presunto e trufa negra que já está no prato (€26). E depois, silêncio. Concentração. A mesa inteira aprecia o prato, sem alarido ou comentários, porque existem coisas que não ganham em vir acompanhadas de palavras.
Quando uma sobremesa não chega
O passo seguinte transporta-nos para um churrasco. Apesar de estarmos a provar uma ementa de inverno, conseguimos regressar, a cada garfada, aos felizes jantares de verão, ao ar livre com os amigos. A carne é vazia Black Angus (carne de qualidade superior, da Escócia), apoiada num tapete de milho e puré de alho francês (€45). Ambos os legumes foram assados no fogo para, lá está, nos remeter para um ambiente totalmente diferente. E resulta, podemos assegurar. Se ainda houvesse alguma dificuldade em fugir da chuva para um qualquer pátio, o molho barbecue faria o resto do trabalho.
A sobremesa – ou o que pensávamos ser a sobremesa, porque estavámos à conversa e não prestámos atenção à palavrinha aperitivo – é um crème brûlée de tangerina, sorbet da mesma e mousse de canela. Estaríamos mais do que satisfeitos com o nível de açúcar no sangue, mas o chefe ainda quis surpreender-nos e toca de servir outra sobremesa, numa dose maior e com uma apresentação tão bonita, que nem apetecia tocar. Eram, disseram, lichias (e os nosso narizes torceram-se) envoltas numa capa de gelatina de framboesa. Também havia desses outros frutos que já não nos fazem torcer o nariz no prato e ainda sorbet delas (€17). Mas acontece, surpresa das boas, que as ditas lichias, na verdade, estavam transformadas numa deliciosa espuma. Mais uma vez o prato ficou a zeros. Uma vergonha, nós sabemos. Ainda ficamos pior no retrato se confessarmos que, com o café, não resistimos a uma telha de amêndoa? Só não corámos porque lemos a frase inspiradora do chefe no seu menu: “A natureza é a perfeição, a minha missão é extrair dela a melhor matéria-prima, sentir os aromas, provar os sabores e texturas para assim imprimir a magia da simplicidade e elegância à minha cozinha.” Obrigada por fazer isso por nós.
Eleven > Jardim Amália Rodrigues, Lisboa > T. 21 386 2211 > seg-sáb 12h30-15h, 19h30-23h