Estou para aqui às voltas sem saber por onde começar este texto. Adivinho como vai ser difícil exportar para palavras as sensações que tive à mesa do Lisboeta, o restaurante da Pousada de Lisboa, inaugurada no ano passado, mesmo no Terreiro do Paço.
Para não enredar mais o emaranhado de emoções que estão presas na ponta dos dedos e tornar a prosa lógica, opto por perseguir a cadência da refeição. Posso dizer que escolhi pão de milho, de entre umas tantas variedades, para provar as três manteigas caseiras que estavam no centro da mesa: de cabra, com azeitonas ou com chouriço. Pormenores – o que se seguiu, isso sim, é digno de registo.
Vou saltar o amuse bouche de ananás, foie gras e gel de laranja, para ir diretamente para um dos pratos mais bonitos que vi nos últimos tempos. Era tão imaculada, a sua apresentação, que não me contive: peguei no telemóvel, fotografei-o e publiquei a imagem no Instagram. O nome do prato – carabineiro do Algarve, salada de pepino, azeitona e limão mão de buda – não levanta grande véu sobre o que chega à mesa. O Chefe Tiago Bonito (quem emprata uma coisa destas só podia ter este apelido) há de desvendar aquele colorido, sobre o prato preto, que o lembra das escarpas do sudoeste algarvio: há por ali gel de tomate verde, gel de carabineiro, rocha de choco recheada com ovas do mesmo (uma delícia), o tal limão mão de buda e ainda umas folhinhas a parecerem nenúfares num lago. Isto resulta num mix de experiências relevadas à medida que se exploram todos os componentes do prato, a começar no bicho exemplarmente cozinhado e descascado, acabando no pepino. Eu cá por mim, chefe, dispensava este fruto, mas é mesmo uma questão de gosto pessoal.
Depois disto, que mais me irá acontecer nesta mesa que assenta os pés numa alcatifa florida e fofa? Estou tão bem sentada num dos sofás, debaixo dos tetos abobadados em pedra e com vista para o claustro, que nem peço muito mais. Mas entretanto vou provando as três cervejas Bohemia (Trigo, Original e Puro Malte), a marca que vai estar disponível durante a Pineapple Week (os menus dão direito a uma cerveja, um copo de vinho ou água).
E eis que chega o segundo prato, anunciado como leitão da Bairrada, batata confit, morcela e laranja sanguínea. Há que ir por partes: espeto o garfo na morcela, amassada em formato de pastel de bacalhau, e só consigo pensar na sorte que tenho de poder estar aqui, a comer um produto tão delicioso como este. Mal sabia eu o que me esperava quando cravasse o dente no leitão e a sua pele fizesse aquele crac, crac, que revela um estaladiço perfeito. Além da batata confit, ainda descubro umas fatias de figo e rabanetes por ali escondidas. Vou comendo devagar, devagarinho. Deixo para o fim um pedaço de leitão com pele, já com a nostalgia de estar a acabar um momento muito saboroso a apertar-me o coração. Espanto-me quando o chefe pergunta se, ao comer, tinha viajado até à Bairrada. “Não queria fazer algo que não fosse nosso, a tradição é para manter, dando-lhe um toque contemporâneo”, justifica assim a sua preocupação. Esteja descansado, chefe, que fui ao infinito e mais além.
Antes de trazer a sobremesa, Tiago Bonito conta que, quando se mudou do Algarve para Lisboa, via, admirado, como as pessoas comiam o pastel de nata nos cafés. “Muitas vezes recorriam a uma colher para rapar o interior e deixavam a massa no prato.” Estava encontrada a inspiração para o doce mais emblemático do Lisboeta: o nosso pastel de nata de comer à colher.
É nestas alturas que gostaria de recorrer ao dicionário para roubar uma mão cheia de adjetivos. Só que ensinaram-me na escola a não abusar deles, mesmo que uma sobremesa nos tire do sério. No prato que me puseram à frente, uma recriação do tradicional “pastel de nata e um café com cheirinho”, descobri texturas e temperaturas diferentes, acidez e doce, crocante e cremoso. A canela encontrei-a, disfarçada, no gelado, posto em cima de um crumble, a massa folhada de pernas para o ar escondia o fondant que derrama primorosamente à primeira investida, pelo caminho ainda lambi as reduções de limão, de aguardente e de café. Não vou conseguir ficar calada: no final da refeição, houve gemidos de prazer à mesa e não estou a falar de sexo.
Pineapple Week > 29 set-9 out > Lisboeta, Pousada de Lisboa > €45