Richard Linklater é conhecido pelo tratamento dilatado no tempo, em experiências cinematográficas de natureza realista que acompanham o envelhecimento das personagens, como Boyhood (2014) ou a trilogia Antes do Amanhecer (1995), Antes do Anoitecer (2004) e Antes da Meia-Noite (2013). No seu filme anterior, Derradeira Viagem, também resgata essa mesma ideia ao filmar a sequela de um outro filme que não era seu. Em Onde Estás, Bernadette?, o conceito é bastante mais convencional. O filme baseia-se num romance de Maria Semple. Um drama familiar, com traços de comédia e qualquer coisa de melodrama televisivo. Não está lá o habitual tratamento realista. A força advém, sobretudo, de Bernadette, e sustém-se no talento interpretativo de Cate Blanchett. A protagonista é uma brilhante arquiteta, fora do ativo há duas décadas, casada com um génio da tecnologia e mãe de uma adolescente. A longa pausa autoimposta no seu processo criativo transformou-a num perigoso “animal” antissocial – característica que até lhe dá graça.
A primeira fraqueza do filme talvez seja a tentação explicativa. Não deixa que a personagem fale apenas pelas suas ações, coloca-a numa conversa com uma remota assistente, em que confessa a sua atitude e a sua perspetiva fóbica perante a sociedade. Não obstante, nos seus movimentos de aproximação e recuo, Bernadette vai ganhando textura e loucura, de forma progressiva e contida.
Coloca-se a Antártida, onde planeiam viajar em família, como um deserto da Judeia, limbo através do qual se passa para um novo estado moral e espiritual. Já se sabe que viajar faz bem à alma. E a moral desta história, que também a tem, acaba por se transformar sobretudo num imenso elogio à criação, como algo intrínseco e essencial na natureza humana.
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Onde Estás, Bernadette? > De Richard Linklater, com Cate Blanchett, Billy Crudup, Megan Mullally, 109 min