Há 39 anos era diferente. Com a Revolução de Abril veio a exuberância, como conta Frederico Duarte no texto que publicou na edição de abril do jornal Lisboa Capital República Popular do Music Box Lisboa: “25 de Abril de 1974: a madrugada em que as paredes de Portugal ganharam uma nova voz. Ou melhor, uma imensa, caótica, plural e intensamente livre cacofonia de novas palavras, imagens e símbolos”.
Frederico Duarte, 34 anos, é professor em Belas Artes e crítico de design. É um homem atento às palavras, às mensagens e à forma como estas se transmitem. Foi com ele que percorremos parte desta cidade, à procura das paredes que falam. Não é “a favor de grafittis”, mas… “se as pessoas tiverem algo a dizer, devem usar essa arma de ilustração, as paredes”. De preferência com o stencil, com o qual “se transmite um pensamento, não se marca um território.” Um pensamento que vai poder ser replicado sem grande arte e ainda “contribui para a paisagem”, diz.
Com esta sede de dizer, de protestar, a arte do stencil tem-se vindo a expandir. Mas também se está a voltar (ainda que timidamente) às artes tradicionais: os pincéis, as tintas e os cartões para fazer cartazes voltaram à rua, por exemplo, na grande manifestação de 2 de março. Nesse dia, o Marquês de Pombal foi ocupado por uma grande oficina popular (organizada à semelhança dos ateliers populaires do maio de 68) dinamizada pelo movimento Que se Lixe a Troika!, de que Frederico se diz membro, “na ótica do utilizador”.
Homem do design, Frederico Duarte é um apaixonado pela forma como as coisas são ditas nos cartazes, nas paredes. Quis levar-nos até ao início da R. do Alecrim para mostrar o ± SILÊNCIO ± com que o designer Miguel Januário (sob o pseudónimo de ±) ocupou o primeiro andar de um prédio quase inteiro. ± tem ocupado o espaço público com mensagens monumentais, em adaptações de frases retiradas da memória coletiva: ± Perda Filosofal ±, ± Grândola Vila Corrupta, Terra da desigualdade ±, ± Orgulhosamente S.O.S. ±, ± Mudos os tempos, Mudas as vontades ±, ± Pague leve, leve mente ± ou ± Nação Doente e Imortal ± são alguns exemplos do que tem espalhado pelo País. Na R. do Alecrim, o ± SILÊNCIO ± tinha sido revestido com a assinatura de um qualquer graffiter. Frederico assim ficou: mudo.
Mas o silêncio foi passageiro. “As pessoas querem participar”, garante. Só precisam, por vezes, de ajuda para “decidir o que dizer e como o fazer”. E assim se criou um movimento de livre expressão pela cidade, onde se diz de tudo um pouco, onde há lugar para tudo. “Às vezes fala-se de ditadura e de revolução… e quem viveu a ditadura deve achar estas palavras exageradas”. É “a hipérbole”. Como ele, diz, quem escreve estas palavras não deve ter vivido o 25 de abril.
Hoje, acredita, a ideia de revolução “prende-se com o sentimento de que as pessoas estão a voltar a ocupar as ruas, a celebrar a rua; estão a redescobrir a rua como ponto de encontro de agentes políticos, cidadãos ativos” que são.