Estamos rodeados de imagens e, com as redes sociais, as pessoas têm uma maior consciência da sua aparência, pela forma como se vêem a si próprias nos ecrãs, ao ponto de viverem quase em função de “ter a fotografia, ou a ‘selfie’, perfeita”.
O problema, segundo a psiquiatra Ângela Pires, é quando alguém se olha para o espelho e tem uma perceção distorcida de si.
Aí, entra-se no campo da patologia, ou da perturbação dismórfica corporal, em que a pessoa se preocupa, de forma obsessiva, “com uma característica sua, como o nariz, o ter a pálpebra descaída, a boca que se entorta, ou a ruga acentuada”, ou ser mais generalizada e, “em casos mais graves, pode entrar num plano delirante”.
Se a obsessão começa a ser, por exemplo, em torno do peso, já se entra no campo da anorexia, ou da bulimia, que são “perturbações do comportamento alimentar”.
O drama de quem sofre de dismorfia corporal é que se vai procurar ajuda junto de profissionais de estética e de cirurgia, quando o problema não está naquela parte do corpo que se altera ou tenta melhorar.
Fragilidade abaixo da pele
A médica sublinha que a relação problemática com a auto-imagem assenta numa auto-estima muito frágil, que atinge tanto mulheres como homens: “O homem que vai ao ginásio e mede o músculo e pode chorar se o bicep diminuir meio centímetro face à vez anterior.” Referindo estudo sobre homens que pedem cirurgias para aumentar o pénis e têm um orgão perfeitamente normal, Ângela Pires refere a importância que, para estas pessoas, tem o aspeto hercúleo, enquanto símbolo de masculinidade.
Como se lida com a auto-estima frágil, quando parece ser mais fácil trabalhar o corpo do que a mente? Muitos tendem a centrar-se na imagem para obter validação exterior, pela quantidade de likes, por exemplo. “Dedicam-se a editar filtros, a trabalhar o músculo no ginásio, ou investem na cirurgia plástica”, observa a clínica, a quem chegam, sobretudo, pessoas com estados depressivos, com “um grande sofrimento que, na maioria das vezes, nem se enquadra nas dismorfias”.
“Nas mulheres é muito mais evidente a tirania da imagem, porque não se aceita o envelhecimento.” O não pintar o cabelo, o não tirar a ruga, por exemplo, pode ter implicações, como ainda tem, em certas profissões, o que tem levado cada vez mais mulheres influentes a assumirem-se como são, servindo de modelo para uma relação mais saudável com o seu corpo.
Sentir-se uma pessoa bonita
Muitos dos problemas com a auto-imagem – ou a perceção do valor que se tem si mesmo que lhe está associada – começam na família: “A mãe que diz à filha que está gorda, que devia comer isto ou aquilo; ou aquela que, ansiosa, está sempre a dar comida ao filho, que fica obeso ou obcecado com isso mais tarde.”
Às vezes, pode passar-se uma vida a retocar a imagem sem que se tenha satisfação com a vida. O que costuma dizer a quem a procura com questões deste tipo, assegura: “Melhorar a satisfação com a imagem passa por aceitarem quem são e não como gostariam de ser, através da câmara ou das redes sociais.”
E os pais, os primeiros modelos da criança, do jovem: em que podem contribuir para que os filhos desenvolvam uma relação saudável com a sua imagem?
“Aceitem a forma como os filhos são; ajudem-nos a respeitarem-se, a não estarem sempre a comparar-se; e conversem com eles sem que fiquem só agarrados aos ecrãs.” E adianta: “A auto-estima constrói-se em casa, com presença, a fazê-los sentir-se amados.” E bonitos.
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