Fala-se pouco dela da Doença Obsessivo-Compulsiva, embora seja retratada em filmes como Melhor É Impossível, com Jack Nicholson como protagonista. Contrariamente ao que se pensa, a preocupação com a ordem, o ser “arrumadinho” e ter tudo sob controlo não são uma mania, antes um problema de Saúde Mental que limita, e muito, a vida a quem a tem. A doença afeta o pensamento e o comportamento e tem base na química do cérebro, afetando 2 a 3% da população no mundo e, segundo um estudo epidemiológico, mais de 4% da população portuguesa.
Caracterizada por pensamentos intrusivos, ou obsessões, que aparecem contra a vontade e a natureza da pessoa, “gera uma ansiedade desmedida que só quem experimenta a sua força pode avaliar”, começa por esclarecer o psiquiatra e investigador Pedro Morgado. Os mais comuns: “As minhas mãos estão sujas”, “a torneira do gás ou da água não está bem fechada”, “as luzes não estão apagadas”. Mas há outros, que a pessoa sabe serem absurdos e excessivos, como fazer mal a alguém de quem gosta, agredi-la sexualmente ou ter uma orientação sexual contrária à sua. Os chamados pensamentos mágicos – o poder do número três associado a algo bom, ou os números ímpares, conotados com maus presságios – só conseguem ser debelados à custa de rituais exaustivos, ou compulsões como estes: “Lavar exaustivamente as mãos durante horas, evitar tocar a maçaneta da porta ao abri-la, verificar centenas de vezes se o interruptor desligado.”
Na mente de um obsessivo-compulsivo
Tomemos o caso da pessoa que, junto a um comboio, dá por si a pensar: “E se eu agora, sem querer, me atirasse para a linha, ou empurrasse alguém?” Ou enquanto conduz: “E se puxasse o travão de mão?” É possível afastar essa ideia e o desconforto, mas para quem tem POC tal não se passa assim, pois o cérebro está sempre a funcionar e a pessoa fica presa nos seus pensamentos e rituais: “A força do pensamento é muito grande e, sem os mecanismos para afastar o sofrimento a funcionar corretamente no cérebro, a compulsão é inevitável.”
A doença manifesta-se, geralmente, entre o final da infância e adolescência ou início da idade adulta e tem origem em fatores genéticos, ambientais e imunológicos. “Há famílias onde a probabilidade de a doença aparecer é maior, em cerca de 20% a 30% face aos 4,4% na população portuguesa”, afirma Pedro Morgado. “O stresse crónico e os eventos traumáticos em fases precoces do desenvolvimento também têm um papel importante, bem como algumas infeções comuns, causadas por bactérias.”
A “culpa” é de uma disfunção cerebral que impede o bloqueio destes pensamentos e da resposta associada para reduzir a ansiedade: “Sofrem imenso, muitas vezes em silêncio, por vezes durante décadas, o que torna a doença invisível para quem está à volta.”
Viver com a doença e vencê-la
Falar do assunto é o primeiro passo para quem sofre e quem está ao seu lado, passando por abordar a questão de forma empática. Por exemplo, “às vezes também me acontece ter necessidade de verificar várias vezes algo que fiz” ou “se calhar isto está a fazer-te sofrer muito e queria compreender para poder ajudar.”
A boa notícia é que existe cura, com duas modalidades de tratamento de primeira linha. Uma delas é a psicoterapia cognitivo-comportamental: “São consultas em que o doente partilha com o psicoterapeuta os pensamentos obsessivos e os rituais que tem de fazer e ambos descobrem pensamentos e comportamentos alternativos para sair deste ciclo vicioso.” A outra reside na prescrição de antidepressivos (inibidores seletivos da recaptação da serotonina) que atuam no circuito da serotonina e diminuem a ansiedade e a frequência de pensamentos obsessivos, tornando possível resistir às compulsões: “A combinação entre fármacos e psicoterapia leva a que a doença desapareça ou se atenue em metade dos casos.” Dois terços das pessoas que não têm melhoras com o tratamento têm resultados com outros medicamentos, como os antagonistas da dopamina e estabilizadores de humor. Numa terceira linha, para as formas mais graves da doença, faz-se estimulação cerebral profunda através da colocação de elétrodos no cérebro para alívio dos sintomas.
Uma pesquisa promissora
Numa primeira fase, com recurso a ressonância magnética funcional, a meta do projeto que obteve um financiamento de 300 mil euros da FLAD, é ter mais informação para decidir se quem inicia o tratamento vai responder bem com a primeira linha ou se é precisa outra abordagem. O trabalho de investigação tem ainda o objetivo de desenvolver um novo tratamento para o grupo de pessoas que não responde aos existentes. A hipótese do estudo partiu de um modelo animal usado há dez anos, na Escola de Medicina da Universidade do Minho: “Verificámos que havia uma diminuição da dopamina em áreas criticas para este tipo de comportamentos e tratamos as cobaias com antagonistas desse neurotransmissor cerebral.”
O ensaio clínico vai ter início em 2022, com uma amostra de 50 pessoas diagnosticadas com a doença e que não respondem aos antidepressivos. A equipa de investigadores vai complementar o tratamento que já fazem com o pramipexol, já usado na doença de Parkinson, mas em doses mais baixas, a fim de verificar a sua eficácia. Nesta fase, o ensaio clínico está a ser submetido à autorização do INFARMED e no início do próximo ano serão recrutados os pacientes, através dos seus médicos e da consulta do Hospital de Braga, que é parceiro do projeto e onde vai ser realizado o estudo. Caso os resultados sejam positivos, “contamos com uma redução da frequência dos sintomas num número importante de pessoas, que podem ganhar mais liberdade e uma maior qualidade de vida.”
Para ouvir em Podcast: