Ao longo do último ano, o psicólogo e psicoterapeuta pediátrico Bruno Pereira Gomes tem visto uma grande capacidade de adaptação das crianças às novas rotinas impostas pela pandemia.
No entanto, é frequente o aumento da ansiedade dos pais transmitir-se aos filhos, já que é através dos progenitores que as crianças aprendem a lidar com os sentimentos. “Se os pais estiverem ansiosos com o seu regresso à escola, eles também vão ficar”, alerta o profissional do Instituto Português de Pedagogia Infantil.
Por isso, sublinha, “os pais devem transmitir segurança aos filhos”. Por outro lado, não devem ter medo de falar com as crianças sobre as suas ansiedades e inseguranças.
Além de aconselhar os pais a conterem as emoções negativas que podem transmitir, o psicólogo infantil também sugere que a informação que chega às crianças sobre a pandemia seja controlada. “Não defendo esconder ou mentir, mas eles não precisam de ver tudo”, esclarece. “Temos de os proteger”, remata.
Bruno Pereira Gomes já nota algumas consequências dos longos períodos de ensino à distância, por exemplo, ao nível da maturidade que, em alguns casos, se mostra mais lenta.
Durante o confinamento, não tem dúvidas de que “as crianças que já tinham dificuldades foram aquelas que mais sofreram”.
O psicólogo apela aos estabelecimentos de ensino e às famílias para darem tempo aos estudantes de se adaptarem ao regresso às aulas. “As crianças têm de se sentir seguras para conseguirem aprender.”
Os alunos do 1.º ciclo voltaram ao ensino presencial a 15 de março e os do 2.º e 3.º a 5 de abril. Seguem-se os do ensino secundário e universitário na próxima semana, a 19.
As lições da brincadeira
O papel da escola na vida dos estudantes vai muito além das aprendizagens formais. “A socialização é uma das áreas mais relevantes. Sentirem-se integrados num grupo, aprenderem a trabalhar em conjunto, perceberem que nem tudo é como eles querem…”, ilustra o psicoterapeuta, que também acompanha crianças da Casa de Juventude de Odivelas.
“O recreio é riquíssimo”, destaca Bruno Pereira Gomes. E não é possível reproduzi-lo em família: “Eu posso ensinar o meu filho a ler e a escrever em casa, mas já não consigo ensiná-lo a lidar com a frustração de perder um jogo contra os amigos”.
Contudo, o psicólogo incentiva os pais a brincaram com os filhos, sempre que possível. A brincadeira é, na verdade, “um convite para entrar no seu mundo” e uma oportunidade imperdível para estimular a criatividade.
“É fundamental que uma criança não recorra logo a um ecrã quando não tem nada para fazer”, defende. Afinal, é nesses momentos de “aborrecimento” que surge a criatividade, “que não vai ser desenvolvida aos 20 anos, mas na infância”.
O sono da discórdia
Habitualmente, as crianças pedem para se deitarem mais tarde, enquanto os pais lutam para as pôr na cama mais cedo. “É preciso dormir bem para aprender bem”, afirma Bruno Pereira Gomes, que se confessa “um grande fã do sono”, que está longe de ser “uma perda de tempo”.
Por isso, deixa alguns conselhos para uma boa higiene do sono dos mais novos, como deitarem-se e levantarem-se mais ou menos às mesmas horas, praticarem atividade física durante o dia para estarem mais cansados à noite e, sem surpresa, limitarem a utilização de ecrãs antes de dormir.
“Os ecrãs são altamente estimulantes e deve haver a rotina de acalmar antes de ir para a cama”, lembra.
Bruno Pereira Gomes acredita que o atual contexto obriga as escolas, os pais e os alunos a comunicarem muito mais. “As crianças não vão regressar iguais, nem vão estar todas na mesma situação”, diz. E existem sinais de alerta aos quais todos devem estar atentos.
Se uma criança perder a capacidade de brincar, por exemplo, tal será sinónimo de que algo não está bem com ela. Também as dificuldades de aprendizagem, os distúrbios do sono ou alimentares devem ser motivo de preocupação.
Acima de tudo, o psicoterapeuta sublinha que “é muito importante validar os sentimentos dos nossos filhos” e fazê-los sentirem-se “ouvidos e acolhidos”. É essencial que sintam que podem falar com o pai e a mãe, sem temerem que a reação deles seja “ficarem zangados”. Afinal, a conversa ainda agora começou.
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