A internista acompanha cerca de 100 doentes nas consultas que criou de acompanhamento pós-Covid-19 no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O mais velho tem 86 anos, mas a média de idades ronda os 50 a 75 anos. Os relatos de quem esteve infetado levaram a médica a olhar de outra forma para esta doença. “São histórias muito interessantes”, diz, durante a conversa com a VISÃO.
O tempo de recuperação da Covid-19 “difere entre quem teve doença ligeira ou doença crítica e entre quem tem patologias associadas ou é perfeitamente saudável”, explica. “Mas o que verifico é que em doentes com idade semelhante e sem nenhuma patologia os tempos de recuperação são completamente diferentes”, acrescenta. Isto porque, os fatores individuais, “como toda a envolvência do doente, as questões sociais, profissionais e a própria família” faz com que cada um tenha o seu tempo.
Sandra Braz lamenta não poder seguir mais pessoas, mas “a prioridade seguimento é aos que tiveram doença grave e crítica que estiveram internados em cuidados intensivos”, porque, nota, a recuperação vai ser “mais longa” e “mais difícil”, mas também aos doentes que “descompensaram as suas doenças de base” e necessitam de um acompanhamento mais regular.
A médica, que esperava que as queixas mais comuns dos doentes fossem as questões respiratórias – dado que o motivo do internamento foi pneumonia e insuficiência respiratória – foi surpreendida. “As mais comuns são gerais, e um tanto inespecíficas, como cansaço e fadiga muscular, e as manifestações neuropsiquiátricas, como cefaleias, perda do cheiro, alterações do sono, perda de memória recente e dificuldade na aquisição de novos conhecimentos.”
Além disso, há medo. “O medo, a ansiedade e a depressão vão, provavelmente, exacerbar e perpetuar as queixas físicas.” Por isso, este acompanhamento é multidisciplinar, envolve fisiatras, psicólogos e psiquiatras e pretende-se que os doentes sejam acompanhados durante dois anos.
Sandra Braz deixa um aviso, já que, por vezes, há alguma incompreensão por parte de familiares e amigos. “As queixas dos doentes são reais. Não são da cabeça do doente, são queixas físicas, têm uma fundamento orgânico. Muitos deles tiveram delírio, o que não é uma consequência da Covid-19, mas sim porque estiveram internados em cuidados intensivos.” Isto deixa marcas.
Sem esquecer que muitos estiveram perto da morte. “Há doentes que fazem relatos que poderiam ser classificados de quase místicos, mas não são. Sentiram, e com sintomas físicos, a morte iminente.”
Em relação às gerações, a especialista diz que os mais idosos “encararam a doença e o risco de vida de forma mais tranquila”, enquanto nos mais novos “há muita revolta”, já que veem “como contranatura um doente mais velho sobreviver e eles não”.
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