Apesar de se qualificar apenas para a terceira fase de vacinação, “só lá para junho ou julho, se tiver sorte”, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes revela que, “se pudesse ser já amanhã, era já amanhã”. Sem receios quanto à segurança e efeitos secundários das vacinas contra a Covid-19, o professor explica que “tal e qual como qualquer outra vacina, estas vacinas estiveram em ensaios que envolveram dezenas de milhares de pessoas vacinadas, seguidas, no mínimo, durante oito semanas, sabendo nós que 99% dos efeitos adversos graves a vacinas surgem até às seis semanas”.
Ainda assim, Carmo Gomes não exclui que, quem for vacinado, poderá sentir dor no local da injeção, algum inchaço, temperatura baixa, fadiga e dor de cabeça e alerta, “ a segurança destas vacinas deve ser monitorizada, diariamente, com muito rigor, porque estamos a usar uma tecnologia nova”.
A segurança destas vacinas deve ser monitorizada, diariamente, com muito rigor, porque estamos a usar uma tecnologia nova
manuel carmo gomes – epidemiologista
Quanto à importância de vacinar o maior número de pessoas no menor período de tempo, o epidemiologista destaca duas razões principais. Por um lado, a proteção individual e direta de cada cidadão, que permitirá aliviar os hospitais nacionais e no resto do Mundo, e, por outro, a importância dos efeitos indiretos da vacinação.
“Se eu estiver infetado, mas estiver rodeado de pessoas vacinadas, tenho muito mais dificuldade em infetar terceiros”, explica o especialista, acrescentando, “da mesma forma, se eu não estiver vacinado, mas estiver maioritariamente rodeado de pessoas vacinadas, é menos provável contactar com alguém que me possa infetar”.
Este efeito indireto é muitas vezes chamado imunidade de grupo e, segundo Carmo Gomes, ocorrerá quando a quantidade de pessoas vacinadas atingir um valor muito alto, “povavelmente só no segundo semestre deste ano”.
Eficácia real das vacinas poderá ser inferior a 95%
Outro fator determinante para atingir a imunidade de grupo é a efetividade das vacinas, isto é, a eficácia real que acabam por ter no terreno. Como aponta Manuel Carmo Gomes, a efetividade acaba por ser, muitas vezes, inferior à eficácia registada nos ensaios clínicos, pois nestes não estão presentes todos os tipos de pessoas que existem na sociedade. “Não sei ainda qual será a efetividade da vacina, mas se ficasse na zona dos 85% a 90% não me admirava nada. Isso fará com que se leve mais tempo a atingir a imunidade de grupo”, afirma.
Voltar a uma forma de vida semelhante à que existia antes da pandemia é algo que o epidemiologista considera, para já, prematuro. Se, por um lado, nada nos garante que não pertençamos aos 5% ou 10% que não ficam protegidos quando tomam a vacina, por outro, Carmo Gomes refere que estas vacinas foram testadas para proteger contra doença sintomática, ou seja, não temos a certeza se a eficácia de 95% protege contra o facto de podermos ser infetados e transportarmos a doença sem sintomas, infetando os outros.
“O facto de termos uma percentagem elevada da população vacinada, só por si, não garante que a doença não possa continuar a transmitir-se”
manuel carmo gomes – epidemiologista
“O facto de termos uma percentagem elevada da população vacinada, só por si, não garante que a doença não possa continuar a transmitir-se”, afirma, sublinhando a importância de manter, ainda durante algum tempo, as medidas de proteção pessoal como o uso da máscara, desinfeção das mãos e distanciamento físico, a fim de “interromper a circulação do vírus na comunidade”.
Primeiro impacto será sentido na diminuição de hospitalizações
Ainda que a meta final seja interromper a circulação da epidemia na comunidade, Manuel Carmo Gomes afirma que as primeiras conquistas acontecerão nos hospitais e só no verão é que poderemos começar a normalizar a vida. O especialista acredita que, primeiro, sentir-se-á uma diminuição nas hospitalizações e nas mortes, “logo no final de fevereiro”, devido às prioridades estabelecidas pelo plano de vacinação Covid-19, e que o impacto das vacinas vai depender do ritmo e do volume de chegada das mesmas.
“Da Pfizer, esperamos ter, pelo menos, 300 mil doses para dar em janeiro e 400 mil doses para dar em fevereiro”, avança e refere ainda que estas doses “vão cobrir os profissionais de saúde, cerca de 200 mil, e os funcionários e utentes dos lares legais, que são cerca de 200 mil pessoas”. Já em março, a vacinação cobrirá as cerca de 500 mil pessoas com mais de 50 anos e patologias de risco e, segundo Manuel Carmo Gomes, “começaremos a ver o primeiro impacto na epidemia, porque estas pessoas já fazem parte da população ativa”.
Quanto à segunda fase de vacinação, que o especialista estima começar entre abril e maio e cobrir cerca de três milhões de pessoas, permitirá tornar mais claro “um impacto na epidemia”.
Ainda que preveja que 30% da população esteja protegida no verão e, com a possibilidade de regressarmos progressivamente à normalidade, Manuel Carmo Gomes não esconde, “se me perguntar quantas pessoas têm de estar imunizadas para termos imunidade de grupo, a resposta curta é: ninguém sabe”. É que a equação, aparentemente simples, depende de fatores muito variáveis como a efetividade da vacina e o valor R0 da doença no país.
“Se a efetividade da vacina for 95% e o R0 de Portugal for 2, então precisamos de 53% da população vacinada para atingir a imunidade de grupo, mas se o R0 for 3, teremos de ter 79% de pessoas vacinadas”. Já se a efetividade vier a revelar-se abaixo dos 95%, Manuel Carmo Gomes considera que teremos de ter cerca de 6 milhões de vacinados para atingir o mesmo objetivo.
Não atingir a imunidade de grupo “não é um drama”
Ainda assim, o especialista avisa que não atingir a imunidade de grupo “não é um drama, o que é necessário é proteger as pessoas que são de risco para esta doença, de forma a não criar pressão no Serviço Nacional de Saúde, gerir bem esta situação e não termos a nossa vida tão condicionada”.
Perante a importância em proteger as populações de risco, o Governo e a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, da qual Manuel Carmo Gomes faz parte, decidiram estabelecer prioridades de acesso às vacinas, definindo critérios baseados, maioritariamente, em patologias de risco associadas e não em faixas etárias. Relativamente às recentes críticas que a Ordem dos Médicos fez aos critérios definidos pela comissão, o professor considera que “é errado dizer que não estamos a proteger os idosos, porque os idosos de maior risco estão todos contemplados no topo das prioridades do plano que foi proposto. São os residentes dos lares e os que têm patologias”.
Ainda assim, Carmo Gomes acredita que será difícil encontrar todas as 500 mil pessoas com mais de 50 anos e determinadas patologias graves, que o plano prevê vacinar já na primeira fase.
Mutações no vírus – nem tudo são más notícias
Muito se tem falado de mutações no novo coronavírus, mas Manuel Carmo Gomes assegura que ainda não há evidência que estas consigam enganar as vacinas existentes. “A vacina foi concebida para a proteína inteira do vírus e as mutações, ainda que sejam mais do que o habitual, são apenas um número limitado”.
Quanto à variante do novo coronavírus, registada pela primeira vez no Reino Unido e considerada pelo Governo Britânico como sendo 70% mais transmissível que as restantes, o epidemiologista refere que nem tudo são más notícias. “Em primeiro lugar, a variante em si não aumenta o risco de ter doença grave e ir parar ao hospital. Além disso, se eu já tiver sido infetado pela variante antiga, não tenho mais probabilidade de ser re-infetado por esta variante”.
A variante em si não aumenta o risco de ter doença grave e ir parar ao hospital
manuel carmo gomes – epidemiologista
Boas notícias, segundo o especialista, também para a vacina, pois tal significa que quem já foi infetado desenvolveu anticorpos que são tão eficazes para uma variante como para outra, algo que poderá indicar que também as vacinas existentes o serão.
As más notícias prendem-se com a incerteza, uma vez que, por agora, sabe-se apenas que esta é uma variante muito mais contagiosa, “mas ainda não percebemos muito bem porquê. Uma hipótese é que ela realmente tenha maior capacidade de chegar a crianças e jovens, iludindo a sua resposta protetora”.
Apesar de esta nova mutação já ter chegado a Portugal, Manuel Carmo Gomes acredita que são os números que vão ditar as medidas que vamos adotar. “Não sabemos ainda qual o peso que a variante está a ter neste aumento de casos, mas estou mais inclinado a acreditar que estamos a assistir a este aumento do número de casos devido ao número de contactos que tivemos a partir de 18 de dezembro”.
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