Muitas famílias têm sentido profundas alterações no dia-a-dia devido à pandemia. O isolamento, a menor socialização entre avós, tios, netos e primos, o uso da máscara, a redução dos contactos entre amigos e a necessidade de maior partilha dos espaços dentro de casa, são apenas alguns dos desafios que pais e filhos foram aprendendo a superar nos últimos meses.
“Qualquer coisa que mude a vida dos adolescentes e, sobretudo, das crianças, é um fator stressante. Esta nova normalidade tem afetado não só as crianças, mas toda a estrutura familiar”, refere Margarida Rosal Gonçalves, pediatra da Maternidade Alfredo da Costa que, em conversa com a VISÃO, deixou algumas pistas para melhor atravessar a pandemia em família.
Há um tempo para tudo
Segundo a pediatra, a reorganização do tempo e do espaço é fundamental. “Apesar de estarem mais tempo em casa, as crianças não têm de estar sempre a fazer coisas. Têm sim de sentir que há tempo e espaço para elas”, explica. Desta forma, e para assegurar a individualidade de cada um dentro de casa, a médica sublinha a importância de pais e filhos decidirem, em conjunto, quais são os tempos para serem vividos em comum, sozinhos, ou mesmo a dois, “no caso das famílias com mais de um filho, em que é preciso definir o espaço para cada criança, não ser sempre o aglomerado, o todo”.
Conversar é muito importante
Ler, brincar, usar tablets e computadores, ou simplesmente não fazer nada, são atividades que a pediatra aponta como sendo tão importantes quanto a conversa e o diálogo. E explica que, “conversar não tem de ser só à mesa. Às vezes podemos estar a cozinhar ou a fazer outra coisa na qual eles também estejam a participar, aproveitando esse momento para perceber o que vai na cabeça destas crianças, quais são os medos, o que gostam, que perguntas têm que possam não querer fazer à frente de toda a gente, preferindo colocá-las, nestas alturas, só à mãe ou só ao pai”.
Quando as dúvidas estiverem relacionadas com a pandemia, segundo a médica, os pais devem tentar perceber que informação é que os filhos já têm e como é que entraram em contacto com a mesma, se foi na escola, na televisão ou nas redes sociais, a fim de ajudá-los a encontrar as respostas mais verdadeiras. “Não defendo que se tenha um discurso de fantasia, dizendo que isto vai passar, sem explicar como”, afirma Margarida Rosal Gonçalves, apologista de uma abordagem otimista, com referência a outros momentos históricos complicados que a Humanidade foi capaz de superar, “tudo adaptado a cada faixa etária e fazendo-os sentir que também eles fazem parte da solução”.
Impor regras, mas com naturalidade
Se usar máscara e lavar as mãos frequentemente são regras que a pediatra considera fáceis de impor e cumprir, já o isolamento pode ser mais difícil de explicar às crianças. A médica alerta para a importância de responsabilizar sem criar um clima de medo e ansiedade. “Deve-se estimular algum contacto entre avós e netos com regras de segurança. Temos de diminuir a nossa bolha de contactos, mas não podemos estar a criar problemas de saúde mental que podem durar para sempre e que afetam tanto os avós como as crianças”, afirma.
Quanto aos adolescentes que, nas palavras da pediatra, “sentem-se imortais” e podem ter mais dificuldade em acatar ordens, “eles estão numa fase que querem muito mudar o mundo, podemos pegar por aí, mostrar-lhes que esta também é uma forma de ter impacto e mudar o mundo”, sugere.
Sinais de alarme
O clima de incerteza que vivemos tem espoletado diferentes reações entre as gerações mais novas. Maragrida Rosal Gonçalves revela que, equanto as crianças e pré-adolescentes sentem uma maior ansiedade, com alguns comportamentos obsessivo compulsivos, os adolescentes tendem a ficar deprimidos.
Perturbações no sono, alteração do apetite, birras constantes, lavar as mãos com demasiada frequência, ter uma atitude inquisidora do comportamento dos outros, querer um isolamento ainda mais exagerado do que aquele que já nos é pedido, renunciando a beijos dos pais, idas ao parque ou passeios de bicicleta com os irmãos, são alguns sinais de alarme que a médica considera importantes
Os pais não sabem tudo
A pediatra revela ainda a importância de não ter medo das perguntas das crianças, mesmo quando não se têm todas as respostas, como acontece quando os mais novos perguntam quando é que tudo isto vai acabar. “O importante é não dizer não sei, sem nos preocupar-nos em ajudá-los a encontrar uma resposta. Não devemos dizer que será no Natal ou na Primavera, mas dar uma mensagem de esperança, explicar que os cientistas precisam de tempo para investigar e tentar perceber, com eles, o que é que está nas nossas mãos para que tudo possa acabar mais depressa”.
Ao longo da conversa foi ainda abordada a questão da alimentação menos regrada, a diminuição do exercício físico e a importância em promovê-lo tanto nas crianças saudáveis, como em crianças com doenças crónicas, da asma à diabetes, “com maior cuidado e usando máscara”.
Promover o otimismo e a criatividade
Como mensagem final, Margarida Rosal Gonçalves faz um apelo aos pais para que tentem dar aos filhos um ambiente de segurança, dentro do possível, espaço para conversar e tempo para brincar. Quanto ao Natal, a médica apela à criatividade e sugere projetos originais em família como a construção dos próprios presentes ou a elaboração de álbuns de fotografias. “Temos de nos superar e ser capazes de explicar aos nossos filhos que estas coisas às vezes acontecem, são mesmo assim”.
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