Um grupo de investigadores chineses do Chinese Center for Disease Control and Prevention identificou, pela primeira vez, na natureza, uma característica genética do SARS-CoV-2 que o torna altamente infeccioso, mas que ainda não tinha sido encontrada em outros coronavírus.
Durante a realização da investigação, a equipa detetou dois betacoronavírus, uma classe de vírus encontrada em morcegos e roedores, com locais de clivagem pela furina e outras características genéticas semelhantes ao SARS-Cov-2.
A enzima furina é uma protease encontrada em grande quantidade no tecido pulmonar e é usada na clivagem de proteínas. Alguns estudos têm sugerido que o SARS-Cov-2 faz esse caminho para remodelar as suas principais proteínas virais e entrar nas células humanas.
Para chegar a esta conclusão, a equipa do estudo, publicado no Science Direct, sequenciou o material genético de 112 morcegos capturados em cavernas na província de Hainan, na China, entre 30 de março e 1 de abril de 2021, a partir dos seus conteúdos estomacais.
Os investigadores encontraram, então, duas amostras com locais de clivagem pela furina idênticos, que se assemelham aos locais correspondentes do Sars-CoV-2. Além disso, uma das amostras, que denominaram CoV CD35, tinha um domínio de ligação ao receptor “altamente semelhante” em estrutura ao do SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2.
“O CoV CD35 é, até agora, o parente mais próximo do SARS-CoV-2 com um local de clivagem polibásico semelhante à furina, o que sugere fortemente que o local de clivagem é de origem natural”, escrevem os autores.
Em entrevista ao The Telegraph, Jonathan Ball, professor de virologia da Universidade de Nottingham, Inglaterra, diz que um “local de clivagem pela furina não é, claramente, exclusivo do SARS-CoV-2 e pode ser encontrado em outras espécies de coronavírus, como este estudo confirma”.
“Os coronavírus são adeptos da troca de material genético através de um processo a que chamamos recombinação”, acrescenta. “Esta é uma maneira eficaz de o vírus obter blocos potencialmente vantajosos de material genético de outros coronavírus – alterações genéticas que permitem adquirir novos comportamentos, como por exemplo, o potencial de infetar e de ser transmitido a novas espécies”, refere ainda.
Ball afirma também que não devia ser surpresa “que o SARS-CoV2 tenha, provavelmente, surgido após a recombinação entre uma ou mais sequências ancestrais que circulam em morcegos e outro hospedeiro intermediário desconhecido, um dos quais já possuía o local de clivagem pela furina”.
De acordo com a equipa, este estudo serviu para aprofundar conhecimentos relativamente à “diversidade dos coronavírus”, fornecendo “pistas sobre a origem natural do local de clivagem pela furina do SARS-CoV-2”.
Apesar disso, as conclusões descobertas não mostram como a Covid-19 “saltou” de morcegos para humanos, sendo que os vírus são “parentes distantes” do SARS-Cov-2 (pertencem a diferentes subgrupos de betacoronavírus).
O estudo também observou que os morcegos que acolhem esses vírus são normalmente encontrados no sul da China, Tailândia e Malásia, por exemplo. Os investigadores dizem, portanto que é necessário continuar os estudos, uma vez que o potencial de vírus se espalhar para os seres humanos “permanece desconhecido e precisa de mais investigação”.