As estimativas não são animadoras. Um estudo publicado pela American Cancer Society, em março, projeta para 2023 que 153.000 pessoas serão diagnosticadas com cancro colorretal (ou do intestino) nos Estados Unidos. Entre estas, cerca de 13% teriam menos de 50 anos – um aumento de 9% dos casos nessa faixa etária, se compararmos com 2020. Em Portugal, esse crescimento de diagnósticos malignos nas populações mais jovens também se tem verificado, segundo tem alertado a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, apelando a uma atenção redobrada para a identificação de lesões precursoras destes tumores. “Os números não estão estratificados em faixas etárias, mas sabemos que têm aparecido muitos jovens com sintomatologias complicadas”, indica Vítor Neves, presidente da Europacolon, associação de apoio ao doente com cancro digestivo. Não é por acaso, aliás, que as mais recentes diretrizes internacionais recomendam começar o rastreio para os cidadãos assintomáticos, não aos 50 anos (como acontece no nosso País), mas aos 45, o que demonstra a preocupação quanto à evolução da doença.
Não se conhecem bem as razões da maior incidência das lesões oncológicas do tubo digestivo entre os mais jovens. O aumento das taxas de obesidade em crianças e adultos pode ter contribuído, assim como o consumo excessivo de álcool, uma prática que tem aumentado nas últimas décadas. Os cientistas ainda não entendem como os fatores de risco da infância – como ter nascido por cesariana, ter usado antibióticos ou ter certas exposições ambientais – podem influenciar o risco de cancro colorretal precoce ou qual o papel que o microbioma pode desempenhar. O consumo de bebidas açucaradas, por exemplo, tem sido associado a um risco maior de ocorrências precoces da doença. Mas não está claro se isso se deve às próprias bebidas açucaradas ou a fatores relacionados, como diabetes ou quaisquer alterações que as bebidas açucaradas possam ter causado nas bactérias intestinais.
“Em Portugal esta doença mata 11 pessoas por dia e todos os anos são diagnosticados mais de 10 mil novos casos. Existem cerca de 80 mil doentes ativos e 50% da população ainda desconhece os sintomas”, aponta a Europacolon, naquele que é o mês europeu da luta contra o cancro do intestino. Este é o segundo problema oncológico mais frequente nas mulheres (depois do cancro da mama) e o segundo mais frequente nos homens (depois do cancro da próstata), ocupando o primeiro lugar em termos de mortalidade. Os sintomas mais frequentes são: perda de sangue nas fezes, alteração prolongada do padrão habitual do funcionamento do seu intestino (diarreia ou prisão de ventre), dor forte ou desconforto abdominal, e perda de peso não intencional. No entanto, numa fase inicial, o cancro colorretal pode não causar sintomas, daí que seja importante fazer exames mesmo sem ter queixas.
O método de rastreio escolhido pelo Ministério da Saúde português é a pesquisa de sangue oculto nas fezes, seguido de colonoscopia nos casos positivos. A taxa de adesão ao rastreio do cancro colorretal foi, em 2021, de 50,1%, metade da população (dos 50 aos 74 anos) que deveria ser abrangida por estes exames. No entanto, sabe-se que a deteção precoce do cancro colorretal, em estádio I, está associada a uma subida de 50% para 90% de sobrevida global em 5 anos.
Para a Europacolon é urgente implementar um rastreio de base populacional (dos 50 aos 74 anos), que chegue a todas as regiões do País. Atualmente, esclarece, apenas a Administração Regional de Saúde do Norte está a cumprir as convocatórias. Contudo, quando a pesquisa nas fezes é positiva, é difícil prosseguir com o acompanhamento médico em tempo oportuno. “O número de doentes continua a aumentar e o apoio nos hospitais centrais é insuficiente. O prazo para fazer uma colonoscopia é de 6 a 12 meses em Portugal continental. Desta forma, não conseguimos dar seguimento aos testes positivos, nem vamos a tempo de salvar vidas”, alerta Vítor Neves. Associados aos rastreios, devem estar igualmente campanhas informativas, para aumentar a adesão. “Ainda há muitos tabus em relação à colonoscopia, a preparação e o exame em si não são tão difíceis como eram… e, sobretudo, há que ter em conta o enorme custo-benefício deste exame”, sublinha o presidente da associação. “Não é um problema difícil de resolver, é preciso é haver vontade política.”
Sabe-se que os cancros precoces tendem a ser mais agressivos, porque têm características moleculares, epigenéticas e genéticas diferentes daqueles que aparecem em idades mais avançadas. Além disso, costumam ser diagnosticados numa fase mais tardia, já que a população mais jovem está menos atenta aos sinais iniciais da doença. Um estudo publicado em 2017 na revista Clinical Gastroenterology and Hepatology, por exemplo, mostrava que pessoas com menos de 50 anos tendiam a esperar cerca de dois meses a mais do que aquelas com mais de 50 anos para procurar um médico após se aperceberem dos sintomas.
O cancro do intestino inicia-se pelo aparecimento de pólipos, alterações causadas pelo crescimento anómalo de tecido no intestino grosso, que crescem com o tempo. Inicialmente, os pólipos não são malignos e poderão ser removidos por colonoscopia antes de se degenerarem, reduzindo o aparecimento do tumor até 76%. Existem fatores de risco, como a idade, síndromes genéticas, ou a história familiar de cancro, que não se podem alterar. Já o consumo de tabaco ou álcool, a pouca atividade física, a dieta pobre em fibras e a obesidade podem (e devem) ser atacados.