Um novo estudo, conduzido por investigadores da Universidade de Dartmouth, em Hanover, New Hampshire, nos EUA, descobriu que a prosopagnosia persistente, ou cegueira facial, uma alteração neurológica que provoca incapacidade de reconhecer o rosto de outras pessoas pode ser mais um sintoma associado à Covid longa.
Para a realização do estudo, os investigadores basearam-se no caso de uma jovem de 28 anos, que ficou infetada com Covid-19 em março de 2020. Em junho, meses depois de a infeção inicial ter passado, Annie, como se chama, sentiu dificuldades em reconhecer o rosto do pai, referindo que o homem lhe parecia um estranho. Além disso, não conseguiu diferenciá-lo do rosto do tio durante um encontro de família, como descreve a equipa.
A jovem, que não tinha, antes de ficar infetada com Covid-19, qualquer problema cognitivo, também passou a ter dificuldades em realizar tarefas simples, como ir às compras, e deixou de se lembrar onde deixava o seu carro nos parques de estacionamento, por exemplo.
Este foi o primeiro caso conhecido de prosopagnosia desencadeada pela Covid-19, publicado na revista científica Cortex na última semana. Contudo, como a ligação entre a cegueira facial e a Covid longa ainda não tinha sido estabelecida até agora, os especialistas temem que muitos mais casos de cegueira facial não sejam diagnosticados com ligação ao coronavírus.
Depois de a equipa ter realizado vários e repetidos testes a Annie, a doente foi diagnosticada com esta condição. Adicionalmente, para verificar os resultados, foi feito um estudo com 54 outras pessoas que testaram positivo para a Covid-19 durante muito tempo, e 32 que foram infetadas mas não apresentaram sintomas de longo prazo, que confirmou também que a cegueira facial é, muito provavelmente, um sintoma de Covid longa.
Os sinais que a capacidade de reconhecer rostos de celebridades nos pode dar
Segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), podem ser realizados vários testes para avaliar a capacidade de reconhecimento de rostos, como por exemplo observar vários rostos e identificar semelhanças e diferenças entre eles, identificar a idade, género e expressões emocionais de vários rostos, memorizar um rosto que nunca se tenha visto e reconhecê-lo mais tarde e até reconhecer rostos de famosos.
A Universidade de Harvard desenvolveu um teste simples que qualquer pessoa pode fazer e que usa, precisamente, imagens de celebridades para ajudar a detetar a cegueira facial.
Um dos primeiros testes que Annie teve de realizar foi, precisamente, o de reconhecimento de famosos a partir de fotografias dos seus rostos. De acordo com os investigadores, da amostra de 60 rostos, Annie soube identificar 48 deles. Contudo, quando apareceu uma imagem isolada do rosto da celebridade, a jovem apenas conseguiu reconhecer 28% dos rostos. Os investigadores explicam que, em média, a percentagem costuma ser de 84 por cento.
Além disso, foi apresentada a Annie uma fotografia de uma celebridade que a jovem dizia conhecer e, depois, uma imagem de um sósia dessa pessoa famosa. A jovem tinha de identificar a primeira, mas apenas conseguiu fazê-lo 67% das vezes. Mais uma vez, a equipa esclarece que, normalmente, a percentagem média que uma pessoa consegue obter é de 87 por cento.
Depois disso, foi pedido à jovem que realizasse o Cambridge Face Memory Test, um exame do Reino Unido desenvolvido em 2006. Nesta prova, é apresentado ao participante seis rostos que ele deve memorizar para, depois, reconhecê-lo a partir diferentes ângulos, com diferentes iluminações. Annie obteve uma pontuação de 56, sendo que um valor abaixo de 60 significa que a pessoa tem prosopagnosia – a pontuação média é 80.
Nos resultados do estudo com os grupos de pessoas tanto com Covid longa como ex-infetados que não tiveram sintomas de longo prazo, o primeiro foi mais propenso a referir que acreditava que as suas capacidades cognitivas tinham diminuído desde que tinham ficado infetados, com muitos a afirmarem ter “dificuldade a identificar a família e os amigos”. Contudo, este foi um estudo baseado em autorrelatos.
Em casos extremos, a cegueira facial pode fazer com que a pessoa deixe de se reconhecer a si mesma ou passe a não conseguir interpretar expressões faciais. Contudo, apesar de afetar o cérebro, não desenvolve qualquer problema de memória ou capacidade de aprendizagem.
Em relação à Covid longa
Apesar de ainda ser um terreno pouco conhecido, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) define a condição pós-Covid como um “conjunto de sintomas tardios em algumas pessoas com história provável ou confirmada infeção por SARS-CoV-2, habitualmente 3 meses após o início da fase aguda e com, pelo menos, 2 meses de duração”, acrescentando que os “sintomas podem desenvolver-se durante ou após a infeção aguda por SARS-CoV-2”.
Alguns dos sintomas mais frequentemente descritos são fadiga, dificuldade de concentração e problemas de memória, falta de ar, dor ou aperto no peito e dificuldade em dormir. Contudo, conforme vão surgindo cada vez mais estudos sobre a Covid longa, são descobertas novas ligações da Covid-19 a esta condição, assim como vários tipos de Covid longa.