Se no início do ano a publicação do primeiro estudo epidemiológico relativo à síndrome VEXAS deixava adivinhar que a doença poderia ser menos rara do que se pensava, a identificação de novos casos, fora dos Estados Unidos da América, tem corroborado as suspeitas dos cientistas.
Identificada pela primeira vez em 2020, a síndrome VEXAS é uma condição inflamatória grave, mais frequente em homens com mais de 50 anos, que deixa os doentes muito cansados, revelando-se muitas vezes fatal.
De acordo com o jornal Público, há, pelo menos, dez casos diagnosticados em Portugal – sete no Hospital de Santo António, um no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, um no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e um no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) – dois dos quais morreram.
Mas afinal o que acontece nas células de quem tem síndrome VEXAS, como identificar a doença e qual o prognóstico estimado pelos investigadores?
1. O que é a síndrome Vexas?
A síndrome VEXAS (vacuoles, E1-ubiquitin-activating enzyme, X-linked, autoinflammatory, somatic), explica um estudo publicado no JAMA, The Journal of the American Medical Association, é uma doença “com características reumatológicas e hematológicas causada por variantes somáticas no [gene] UBA1”.
Apesar de estar relacionada com mutações no gene UBA1 (presente no cromossoma X) nas células mielóides (glóbulos brancos que afetam a resposta do sistema imunitário), esta não é uma doença hereditária. É progressiva, severa e mortal, mas, geralmente, aparece numa fase mais tardia da vida, quando se adquirem as mutações nas células sanguíneas.
A doença é caracterizada por episódios de febre e inflamação anormal que afetam muitas partes do corpo, principalmente a pele, articulações e os vasos sanguíneos.
2. O que causa esta doença?
A maioria dos casos de síndrome VEXAS é causada por mutações no gene UBA1, responsável por dar as instruções necessárias para a produção da enzima E1.
Tal enzima é necessária para o bom funcionamento de um sistema, chamado sistema ubiquitina-proteassoma, uma espécie de mecanismo de controlo da qualidade das células, que elimina as proteínas danificadas, deformadas e em excesso existentes dentro das mesmas.
As variantes do gene UBA1 que causam a síndrome VEXAS estão presentes apenas em certas células imunes e certas células formadoras de sangue na medula óssea, porém, podem comprometer as funções celulares normais, conduzir a uma ativação anormal das células imunes, a danos e a morte celular.
3. Quais os principais sintomas?
Quando ficam doentes, os pacientes têm uma série de sintomas que podem ser confundidos com outras outras doenças inflamatórias e auto-imunes e que vão de erupções cutâneas dolorosas a sangramento e dores de ouvidos e nariz, passando por dores fortes nas articulações, tosse e falta de ar, inflamação dos vasos sanguíneos, febre, fadiga extrema, anemia, coágulos sanguíneos, nódulos linfáticos e uma contagem baixa de glóbulos brancos.
4. Quem é mais afetado?
Segundo o primeiro estudo epidemiológico, publicado no início deste ano na revista científica JAMA, a VEXAS afeta sobretudo os homens acima dos 50 anos. Os investigadores estimam que, nos Estados Unidos, um em cada quatro mil homens acima dos 50 anos, e uma em cada 26 mil mulheres sofram do problema.
O mesmo estudo refere que um em cada 13.591 norte-americanos com mais de 50 anos possa vir a ter ou já tenha a síndrome.
5. Por que razão os homens têm maior probabilidade de ter a síndrome VEXAS?
A síndrome está relacionado com mutações no gene UBA1, que se encontra no cromossoma X. Como explica o site do Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), os homens têm apenas um cromossoma X, ou seja, têm apenas uma cópia do gene, precisando apenas que essa cópia sofra mutações para terem a doença.
Já as mulheres têm duas cópias do cromossoma X e, consequentemente, duas cópias do UBA1. “Uma mutação em apenas uma das cópias, provavelmente causará doença menos grave ou nem causará doença”, lê-se no mesmo site.
6. Qual o prognóstico?
Apesar de ser raro, a síndrome regista uma alta taxa de mortalidade: 27%, segundo uma investigação apresentada na Convenção do Colégio Americano de Reumatologia, em 2021.
Ainda que a equipa de David Beck, geneticista na NYU Langone Health, em Nova Iorque, e co-autor do estudo publicado no JAMA, The Journal of the American Medical Association, tenha estimado que a média de sobrevivência é de cerca de 10 anos, metade dos doentes morre ao fim de cinco anos de diagnóstico.
O primeiro paciente identificado em Portugal, no início de 2021, apresentou os primeiros sintomas em 2016, quando a doença ainda nem tinha sido descoberta, e acabou por morrer em outubro de 2022, aos 56 anos.
7. Como ter a certeza do diagnóstico?
Tal como sublinhou o co-autor do estudo David Beck, cuja equipa também descobriu a doença, em 2020, “a VEXAS está subdiagnosticada e ainda há muitos médicos que não estão conscientes da sua existência”.
Até agora, e por desconhecimento, alguns pacientes podem ter sido mal diagnosticados. Mas existe um teste genético que ajuda os médicos a chegar à conclusão certa.
8. Como se trata a doença?
O tratamento não é consensual nem definitivo, ainda que com esteroides e outros imunodepressores os sintomas diminuam. Algumas pessoas podem ser candidatas a transplante de medula óssea.
No entanto, como a VEXAS pode atingir vários órgãos, o ideal é ser seguido por uma equipa multidisciplinar, que inclua um reumatologista e um hematologista.