Assiste-se, hoje em dia, ao aumento da carga global de doença por patologia mental. Esta tendência crescente ao nível mundial ocorre, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, em parte pelo aumento da prevalência de depressão, sobretudo nos países desenvolvidos. Estima-se que 4% da população mundial seja afetada por este diagnóstico, passando a viver mais anos com incapacidade e pior qualidade de vida. Ou seja, o indivíduo perde as suas capacidades de lidar com o stresse diário, e este impacto traduz-se em custos, diretos e indiretos, por meio da prestação de cuidados e perda de produtividade, como absentismo.
No entanto, é na mulher que se verifica uma maior prevalência da mesma, sendo a primeira causa de incapacidade. Nomeadamente em Portugal, as estimativas apontam para valores de prevalência na ordem dos 5 a 9% para as mulheres versus 2 a 3% para os homens das formas severas de depressão.
Estes números agravam-se se tivermos em consideração o facto de continuar a ser uma perturbação subdiagnosticada, em parte pelo treatment gap da doença, isto é, um grande intervalo de tempo entre o aparecimento dos sintomas e a procura dos cuidados, seja pelo estigma ou pela baixa literacia associadas. Saliente-se que este atraso na procura do tratamento é mais patente no sexo masculino.
De facto, estas diferenças de expressão da doença entre sexos têm sido alvo de estudos, principalmente a sua influência nos indicadores socioeconómicos e na doença mental.
A revolução multissetorial ocorrida durante o século XX veio trazer uma redefinição do papel da mulher na sociedade. Esta passa a ser um elo diferente, determinante na produtividade das linhas fabris, mantendo as responsabilidades tradicionais e familiares. Assim, este desenvolvimento biopsicossocial torna-a mais suscetível a alterações psicológicas.
As mulheres são expostas a fatores precipitantes e de stresse em idades mais precoces, têm alterações hormonais mais marcadas do ciclo reprodutivo, os fatores socioeconómicos e culturais influenciam o seu desenvolvimento e educação. Efetivamente, a mente feminina reveste-se de um caráter diferente. Apresentam uma medida de risco 1,54 vezes maior do que os homens para incidência de qualquer doença mental e maior vulnerabilidade a sintomas ansiosos e depressivos, especialmente associados ao período reprodutivo.
Porém, não só as condições biológicas determinam estas diferenças – os fatores sociais e culturais têm também uma grande influência no desenvolvimento de emoções como a frustração, o stresse e o cansaço no contrabalanço, por exemplo, da dicotomia entre importância da carreira, a desigualdade salarial com a tradicional responsabilidade familiar acrescida. Sentimentos estes que, do ponto de vista compreensivo, se não elaborados e contextualizados, podem evoluir para sintomatologia depressiva.
A abordagem terapêutica deverá contemplar todos estes fatores. É preciso haver atenção e conhecimento necessário sobre as perturbações psíquicas associadas ao ciclo reprodutivo, devido ao impacto que causam não somente à pessoa mas também ao ambiente sociofamiliar.
Centros clínicos dedicados como o Women’s College Hospital, a funcionar desde 1883 (em Toronto), promovem essas abordagens. Têm como princípios programas de literacia na comunidade (“falar sem rodeios” do tema), a prática de exercício físico, a promoção de hobbies e estruturação de rotinas, a frequência de consultas e farmacologia específicas, bem como grupos terapêuticos para treino de capacidade.
Tais medidas revelam-se essenciais para uma melhor evolução da doença e a promoção da desestigmatização. Em suma, a promoção da integração holística na observação do indivíduo, do conhecimento de que as diferenças entre sexos são patentes na manifestação, evolução e tratamento de algumas doenças torna-se primordial para as boas práticas.
Fontes bibliográficas: LOPEZ, A.D.; MURRAY, C.C. – The global burden of disease, 1990-2020. Nat Med. 4(11):1241-3, 199 World Health Organization [WHO] (2021) [internet] Mental disorders – Depression; https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/depression.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.