O embotamento emocional, ou seja, um estado que bloqueia sentimentos negativos, mas também positivos, já era reportado noutros estudos por uma grande percentagem de pacientes que tomavam um tipo específico de antidepressivos. Não era claro, contudo, se este era um efeito secundário deste fármaco – o escitalopram, pertencente à classe de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) – ou mais um sintoma da depressão. Um estudo da Universidade de Cambridge, publicado ontem na revista Neuropsychopharmacology, recorreu a 66 voluntários saudáveis, metade dos quais tomou durante 21 dias o medicamento. Sujeitos a testes cognitivos, os participantes do grupo que recebeu o ISRS tiveram uma menor reação à aprendizagem por reforço, que exige que as pessoas respondam a feedbacks positivos ou negativos. “De certa forma, esta pode ser a maneira como funcionam. Eles tiram parte da dor emocional que as pessoas que sofrem de depressão sentem, mas infelizmente parece que também tiram parte do prazer”, concluiu Barbara Sahakian, uma das investigadoras, em declarações ao The Guardian. Mas o estudo também reporta vários achados positivos, como o facto de não haver prejuízo da atenção e memória pelo uso deste antidepressivo.
Uma tarefa mediu a capacidade de aprendizagem com as recompensas, tendo as pessoas de escolher repetidamente entre dois estímulos. Por tentativa e erro, aprenderam que um estímulo levava a uma recompensa com mais frequência do que o outro. A determinada altura, as probabilidades de uma recompensa para cada estímulo mudavam e os participantes tinham de aprender esse novo sistema. Os voluntários que tomaram o antidepressivo foram 23% menos sensíveis à troca de estímulos do que aqueles que tomaram o placebo. Nos questionários foi ainda reportado uma maior dificuldade em atingir o orgasmo como outro efeito secundário da toma do escitalopram.
No entanto, há que ter em conta alguns aspetos da investigação. “O estudo testou a utilização de um determinado antidepressivo em pessoas saudáveis, sem depressão ou outros sintomas como ansiedade. Além disso, o tempo de uso foi relativamente curto (cerca de 3 semanas), e os reais benefícios dos medicamentos antidepressivos em doentes costumam sentir-se, sobretudo, desse momento em diante. Associar os achados deste estudo a consequências negativas reais na vida de pessoas com depressão será, parece-me, exagerado”, considera Nuno Madeira, psiquiatra e membro da Direção do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos.
Para Sahakian, estes resultados podem ajudar os pacientes a tomar decisões mais informadas sobre a medicação, uma vez que estão mais cientes dos seus efeitos. “Algumas pessoas podem receber diferentes formas de tratamento, principalmente se não foram hospitalizadas com doenças graves”, aponta. Nuno Madeira sabe que “os efeitos adversos descritos nas ‘bulas’ dos fármacos podem ser assustadores, e começar um tratamento é uma prova de confiança do utente na relação com o seu médico. A decisão partilhada, guiando o doente através das vantagens e riscos de cada tratamento, deve ser o paradigma da medicina atual”, defende. Mas a equipa de investigadores também acredita que o aprofundamento da investigação é decisivo para avaliar melhor os impactos da toma crónica (para lá dos 21 dias).
Há algo em que todos parecem estar acordo: “não há dúvida que os antidepressivos são benéficos” para muitas pessoas, acredita a professora da Universidade de Harvard. “São uma arma preciosa – quer para pessoas com depressão, quer para a ansiedade crónica, doença obsessivo-compulsiva, e muitas outras doenças. Têm provado que reduzem consequências preocupantes da depressão não tratada como mortalidade por suicídio, problemas crónicos de memória, entre outros”, apoia o psiquiatra português. Infelizmente, abundam os estigmas associados à doença mental e aos seus tratamentos. “A verdade é que, quando comparamos os antidepressivos com muitas outras medicações para doenças crónicas (diabetes, hipertensão arterial, etc.), verificamos que eles geram tanta ou mais qualidade de vida que esses fármacos, e com menos efeitos secundários – são até menos perigosos, mesmo quando usados em doses acima do recomendado”, acrescenta.
Por isso, é preciso avaliar com cautela os resultados da investigação. “Qualquer efeito secundário pode afastar alguém de um tratamento: cabe ao médico identificar esse problema e adaptar o tratamento às preferências do doente. A ocorrência de ‘entorpecimento’ ou ‘embotamento’ emocional tem sido associada ao uso de alguns antidepressivos, sobretudo em doses mais altas, e em tratamentos mais prolongados. É, ainda assim, um estado muito menos incapacitante que viver com depressão ativa, e pode ser minimizado com reduções de dose ou troca para antidepressivos que não se associem a este efeito”, sublinha Nuno Madeira.