Ouvir do médico a notícia de que se sofre de cancro é um momento de desespero e, a partir daí, muitos doentes vivem afundados em medo, ansiedade e depressão. Segundo Sónia Silva, psicóloga da Liga Portuguesa Contra o Cancro, um terço dos doentes oncológicos “desenvolve perturbações psicológicas de ansiedade, depressivas ou de adaptação”, que necessitam de apoio. Veja as respostas da especialista às dúvidas que, muitas vezes, surgem no pensamento de quem descobre que tem um tumor.
Quais os sintomas de que há uma perturbação emocional depois de um diagnóstico de cancro ?
Sentimentos persistentes de tristeza, culpa ou desespero; agitação, ansiedade e irritabilidade; e perda de interesse nas atividades habituais podem ser sintomas de um quadro depressivo. Estes sintomas tendem a ser mais acentuados na fase inicial, após o diagnóstico, diminuindo progressivamente. Caso permaneçam por períodos muito prolongados, podem pôr em causa a adesão terapêutica e a eficácia do tratamento. Outros sintomas comuns são o isolamento ou desinvestimento nas relações sociais, nomeadamente do relacionamento íntimo e sexual, a dificuldade em lidar com a autoimagem e autoestima diminuída
Como distinguir o medo e a ansiedade naturais inerentes a este processo de uma situação mais grave?
Nem sempre é fácil fazer esta distinção. Contrariamente às situações em que os indivíduos apresentam estes sintomas na sequência de um acontecimento súbito e pontual, que teve um início, meio e fim, o cancro é cada vez mais uma doença crónica. Esta característica favorece a manutenção destes sintomas ao longo do tempo. E há períodos mais sensíveis, por exemplo, aquando das consultas de vigilância, situação em que se observam picos de ansiedade na grande maioria dos doentes oncológicos. Assim, sempre que se verifiquem índices elevados destes sintomas, que se prolongam no tempo, ao ponto de provocar alterações emocionais e comportamentais que interferem com o dia a dia do doente, e provocam a sensação de desespero e falta de capacidade para lidar com a situação, é sinal de que podemos estar próximo de um quadro psicopatológico.
Este stresse e ansiedade têm efeito nos tratamentos?
Segundo alguns estudos, a forma como o doente encara a doença pode, efetivamente, interferir com a eficácia do tratamento.
Como se pode prevenir a ansiedade?
A prevenção deve passar, em primeiro lugar, por uma boa comunicação e relação entre o médico e o doente. O que pode obviar muitas situações de insatisfação de doentes e cuidadores, e que se centram, sobretudo, na perceção de falta de informação, crenças erróneas sobre a doença, insegurança quanto às opções de tratamento, etc., além do recurso a outras fontes de informação pouco fidedignas.
Segundo alguns estudos, a forma como o doente encara a doença pode, efetivamente, interferir com a eficácia do tratamento
Que atitudes se devem adotar para evitar cair num problema psicológico?
Deve procurar esclarecimento e informação junto do profissional de saúde responsável e manter, na medida do possível, as suas rotinas diárias, um estilo de vida ativo, de que a prática de exercício físico, alimentação saudável, atividades de lazer, etc. devem fazer parte. “Ter alguém com quem desabafar” também é muito importante.
O que nunca se deve fazer?
Isolar-se, pensar que se está só, numa situação de irremediável rendição! Na verdade, os casos de cancro são cada vez mais, e as taxas de sobrevivência têm vindo a aumentar. Portanto, poderá ser possível esperar um resultado positivo.
É natural sentir medo e desespero?
O medo é uma reação adaptativa e protetora do ser humano, como resposta a situações de ameaça. O desespero é uma reação mais intensa de medo, que resulta da falta de perceção de recursos para fazer face à ameaça.
Na situação de doença oncológica, o medo é um dos principais sintomas, manifesta-se desde os primeiros sinais de alarme, exames de diagnóstico, etc. e tende a manter-se ao longo do curso da doença. São expectáveis também momentos de desespero, em que se sente uma falha nos mecanismos de autorregulação emocional.
Qual o maior truque para se conseguir aceitar a doença?
É importante ter presente o cancro como uma doença crónica, que pode ocorrer na vida de qualquer indivíduo, podendo ser útil procurar um significado desta experiência na existência de cada um, substituindo progressivamente a questão “Porquê?” por “Para quê?”.
Não obstante, as pessoas que mantêm uma atitude otimista – expectativa de obtenção de resultados positivos – e ativa – colocam em prática estratégias tendencialmente associadas a este tipo de resultados, nomeadamente prática de exercício físico, alimentação saudável, manutenção de uma rotina diária, expressão emocional, adesão às recomendações médicas, etc. – tendem a ser mais bem-sucedidos no que respeita aos processos de aceitação da doença e recuperação do equilíbrio emocional e qualidade de vida.