A doença de alzheimer é talvez a forma de demência mais conhecida e, muito provavelmente, a mais temida. Perdermos a memória ou a consciência de quem são as pessoas que nos rodeiam é um fantasma que paira sobre a cabeça de muitos. E, nas últimas semanas, a doença voltou a estar nas bocas do mundo.
Se, por um lado, a esperança parece ter aumentado, com os resultados do ensaio clínico do anticorpo Lecanemab a mostrarem uma redução relativa de declínio cognitivo na escala de demência clínica em 27%, por outro, o ator Chris Hemsworth anunciou que iria pôr em pausa a carreira de ator por ter descoberto que tem um risco elevado de vir a desenvolver Alzheimer.
Hemsworth descobriu, através de testes genéticos, que tem duas cópias da variante E4 do gene APOE, associada a um maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Apesar de não ter ainda nenhum sintoma, estrela de “Thor”, de 39 anos, disse à Vanity Fair que queria concentrar-se em mitigar o risco o máximo possível.
Perante os passos ainda tímidos que a ciência tem dado nesta área, muitos podem ter ficado curiosos e com vontade de ser testados para perceber se, à semelhança de Hemswoth, têm a variante do gene que aumenta o risco da forma mais conhecida de demência, a fim de tomarem precauções e evitarem um desenlace menos feliz.
No entanto, os especialistas em Alzheimer estão divididos sobre se o teste do gene é útil para a maioria das pessoas. Segundo Marta Amorim, especialista em genética no Hospital Lusíadas Lisboa, a realização deste teste não é aconselhável em contexto de pre-sintomatologia. “Não é um bom teste clínico e que faça sentido fazer a pessoas saudáveis”.
A especialista explica que, nas doenças genéticas, o ideal é fazer caminho inverso, ou seja, estudar alguém que já tem a doença. “Os testes genéticos não são uma bola de cristal. Há sempre uma interpretação, que é mais fácil e correta em alguém que já tem sintomas”.
Ou seja, quando já existe alguém doente, tira-se a limpo se, naquela pessoa, se trata de uma questão genética, para depois sim, testar os restantes membros da família, caso o doente tenha apresentado mutações genéticas hereditárias.
Gary Small, presidente de psiquiatria do Centro Médico da Universidade Hackensack, nos EUA, é da mesma opinião e revelou ao The New York Times que, geralmente, na sua prática clínica, dissuade as pessoas de fazerem o teste e obter esta informação.
Segundo Small, “se alguém tem um histórico familiar de demência, deve presumir que tem um risco aumentado, portanto, fazer o teste genético não lhe dirá muito mais”.
O que é o APOE4?
O gene APOE é importante para a formação de uma proteína que ajuda a transportar o colesterol através da nossa corrente sanguínea. Há cerca de 30 anos, os cientistas descobriram que o APOE também influencia a probabilidade de uma pessoa desenvolver doença de Alzheimer.
Existem três variantes deste gene: APOE2, APOE3 e APOE4. “A APOE4 é aquela que sabemos dar um risco aumentado de predisposição para demência”, explica Marta Amorim.
Todas as pessoas têm duas cópias do gene APOE, uma herdada da mãe e uma herdada do pai. Quem herdou apenas uma das cópias com a variante E4 (cerca de 25% das pessoas), tem um risco aumentado em duas ou três vezes de desenvolver doença de Alzheimer, enquanto que nas pessoas que herdaram as duas cópias com a variante E4, o risco é 10 vezes maior.
Porém, descansa Marta Amorim, “cerca de 42% das pessoas que têm Alzheimer não têm estas duas variantes e mais de metade das pessoas que as têm nunca chega a desenvolver a doença”.
Os cientistas não sabem ainda ao certo por que é que um gene envolvido na captura do colesterol desempenha um papel tão importante na doença de Alzheimer. É possível que as alterações no colesterol danifiquem as células cerebrais ou causem inflamação no cérebro, o que pode levar à demência.
Se decidir fazer o teste e o resultado vier positivo, o que faço?
Ao contrário de Marta Amorim e Gary Small, Richard Isaacson, professor associado adjunto de neurologia no Weill Cornell Medical College, acredita que as pessoas que assim o desejarem deveriam ser testadas.
“É algo que democratiza a capacidade de aprenderem mais sobre os riscos que correm”, afirmou em entrevista ao The New York Times. “Não se trata de saber se vão ter a doença, mas o que podem fazer em relação a isso”.
Caso alguém seja testado por vontade própria (o teste existe em Portugal), ou por indicação médica, após um familiar diagnosticado com Alzheimer ter acusado a presença de mutações genéticas hereditárias, e receba um resultado positivo, é importante perceber, sublinha Richard Isaacson, que estas alterações “são apenas uma parte de um quadro de risco muito complexo”.
Porém, como aponta Marta Amorim, os médicos não dominam ainda o Alzheimer de forma a apontar medidas específicas que o possam travar. “Aconselhamos as pessoas a adotarem uma boa dieta e a praticarem exercício físico. Tem o valor que tem, mas são sempre boas medidas de saúde”.
Vários estudos têm mostrado, de facto, que hábitos de vida saudáveis são essenciais para evitar doenças neurodegenerativas. Por exemplo, a prática de exercício físico, seja para treinar a força ou para aumentar a resistência, ajuda o cérebro a desenvolver novas ligações entre as células, sobretudo no hipocampo, uma área importante para a memória.
Também há evidências de que uma dieta saudável, como a dieta mediterrânea, pode ser benéfica.
A importância do papel desempenhado pelo estilo de vida na saúde do cérebro foi evidenciada também em estudos realizados em gémeos idênticos, que partilham praticamente todos os mesmos genes. Um dos maiores estudos desse tipo, que analisou 392 pares de gémeos com 65 anos ou mais, onde um ou ambos tinham a doença de Alzheimer, revelou que os genes representavam apenas 58% do risco. O restante dependia do estilo de vida e de fatores ambientais.