A necessidade de não ingerirmos alimentos ou bebidas antes de sermos submetidos a uma anestesia encontra explicação na ação que os anestésicos têm no nosso organismo.
Quer isto dizer que, quando somos submetidos a uma anestesia geral, são-nos administrados determinados fármacos (anestésicos gerais, analgésicos, relaxantes musculares) que permitem que fiquemos inconscientes, sem dor e com os nossos músculos relaxados, de modo que a cirurgia possa decorrer em segurança. Mas estes fármacos, que são muito úteis na anestesia, também apresentam efeitos menos desejáveis, como o facto de bloquearem reflexos que nos permitem defender as vias aéreas quando engolimos alimentos, sejam líquidos ou sólidos. São estes a tosse e a deglutição, que impedem a entrada dos alimentos nas vias respiratórias e que forçam a que o seu trajeto seja normalmente no sentido do estômago.
Se existirem no estômago alimentos sólidos ou líquidos, durante a anestesia, e se venha a verificar o retorno deste conteúdo para o esófago e garganta, como esses reflexos estão bloqueados temporariamente, o organismo terá grande dificuldade de impedir que sigam inadvertidamente para os pulmões. Essa aspiração de um conteúdo alimentar para os pulmões pode provocar complicações – até uma reação inflamatória grave, chamada “pneumonia de aspiração”, o que pode, em casos extremos, terminar na morte do doente.
Mas é importante reforçar que se trata de uma complicação muito mais temida do que efetivamente observada, estimando-se que possa ocorrer em cerca de quatro por cada mil mil anestesias.
No entanto, durante décadas, a maioria dos anestesiologistas recomendava aos seus doentes “não comer nem beber após a meia-noite”, independentemente da hora do procedimento cirúrgico, de modo a reduzir o risco de aspiração.
O que se alterou, entretanto?
Estudos clínicos permitiram demonstrar que a ingestão de líquidos ricos em hidratos de carbono, até duas a três horas antes da cirurgia, não só garantiria a segurança face à possibilidade de ocorrência de aspiração do conteúdo do estômago (uma vez que este se encontraria praticamente vazio) como proporcionaria um jejum mais confortável para o doente, não havendo necessidade da pausa alimentar habitual, muitas vezes superior a 12 horas.
O que se pode comer antes de uma anestesia?
As recomendações para o jejum aplicam-se, de um modo geral, a doentes saudáveis, propostos para cirurgia programada e que venham a ser submetidos a uma anestesia geral, locorregional ou a uma sedação. Mesmo que esteja prevista uma cirurgia sob anestesia locorregional, as instruções de jejum são as mesmas, pois não se pode excluir a necessidade de se recorrer a uma anestesia geral.
Recomendações
Existem condições médicas para as quais estas recomendações não se aplicam, dado que para todas elas há a possibilidade de atraso do esvaziamento gástrico, com risco aumentado de aspiração. É o caso do doente obeso, do diabético, do doente com refluxo gastroesofágico ou da mulher grávida. Por último: estas recomendações podem não ser respeitadas se for um caso de emergência. Mas aí é obrigatório que o anestesista tome as precauções para reduzir o risco de aspiração pulmonar.
Em conclusão: cada operação é um caso. Se é ou não permitido comer e beber antes da cirurgia e quais os alimentos que se pode ingerir, depende sempre do tipo de operação, da anestesia a que será submetido e do historial clínico. Mas esta recomendação deverá ser sempre discutida com seu anestesista e com o seu cirurgião.