A pandemia de Covid-19 parece uma realidade cada vez mais distante, mas ninguém se esquece dos primeiros dias de quarentena, todos iguais para a maioria das pessoas e em que algumas perderam a noção do tempo. Aconteceu-lhe isso? De acordo com um estudo recente, publicado na revista científica Psychological Trauma: Theory, Research, Practice, and Policy, a maior parte dos norte-americanos passou por essa experiência, que pode acontecer com regularidade em tempos traumáticos, segundo os especialistas.
A equipa de investigadores da Universidade da Califórnia em Irvine, Califórnia, nos EUA, analisou questionários relativos à saúde mental de mais de 5600 adultos norte-americanos realizados em março e abril e setembro e outubro de 2020, com os participantes a relatarem as suas experiências com o coronavírus e a falarem sobre situações stressantes passadas, com e sem relação com a Covid-19.
Relativamente à sua perceção do tempo durante os primeiros tempos de quarentena, 65% dos participantes relatou ter sentido distorções na perceção do tempo, mesmo seis meses após o início da pandemia, mas os investigadores notaram que houve mais mulheres do que homens a descreverem esse tipo de sensações.
Já mais de metade dos voluntários referiu ter sentido que o tempo estava a acelerar ou a abrandar e 46% referiu não ter a certeza de que horas ou dia eram. Também 35% dos voluntários mencionou ter sentido problemas de memória de curto prazo.
A equipa deu conta de que estas experiências foram mais evidentes em pessoas que passaram, anteriormente, por momentos traumáticos na vida e que as redes sociais também intensificaram estas sensações.
Apesar de ser um estudo pequeno e que necessita de mais investigação, a equipa acredita que as perdas de noção do tempo durante os tempos de pandemia, que descreveu como um “um trauma coletivo prolongado e sem precedentes”, podem ajudar a identificar problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão – os investigadores perceberam que as pessoas que experienciaram esses momentos têm maior risco de sofrerem distúrbios mentais e que, tendo isso em mente, chegar a um tratamento adequado pode tornar-se um processo mais fácil.
“Existem terapias relativamente novas que podem ser usadas para ajudar as pessoas a recuperar a noção do tempo de forma mais equilibrada”, garante E. Alison Holman, professora de enfermagem na Universidade da Califórnia e uma das autoras do estudo, em comunicado, acrescentando que é necessário saber quem precisa de receber esse tipo de tratamento porque, caso contrário, não existe forma de fornecer essa ajuda.
Vários estudos têm demonstrado como a saúde mental foi afetada em todo o mundo devido à Covid-19, refletindo o aumento dos índices de medo, ansiedade e depressão nas suas populações. Uma investigação realizada pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, concluiu que o confinamento afetou a saúde mental de 80,3% dos argentinos.
Na Alemanha, um estudo do início de 2021 conduzido pela Universidade de Saarland indicou que a satisfação com a vida do dia-a-dia diminuiu significativamente depois do início da pandemia de Covid-19. Os investigadores analisaram as consequências psicológicas e sociais de 2020 em 1500 homens e mulheres e perceberam que as preocupações, o stress e o estado depressivo dessas pessoas tinha aumentado consideravelmente.
Também na Bélgica uma investigação publicada em janeiro de 2021 pelo Gabinete Federal de Planeamento, um organismo governamental belga, com base num inquérito de dezembro de 2020, concluiu que no pico da segunda vaga e com novas medidas de confinamento em vigor, a saúde mental dos belgas estava a deteriorar-se.
Em Portugal, dados do Serviço Nacional de Saúde indicavam que, na população em geral, observaram-se “valores elevados no desenvolvimento de problemas ao nível da saúde mental” provocados pela Covid-19, com 33.7% a passarem por sofrimento psicológico e 26.4% em depressão moderada a grave.