Um estudo publicado no início do mês na revista científica The New England Journal of Medicine revelou a deteção de um novo vírus de origem animal, conhecido, agora, por Langya, na China. O vírus, para o qual atualmente não há vacinas ou tratamentos, foi detetado por meio de amostras recolhidas da garganta de doentes que tiveram contacto recente com animais, e está associado a sintomas como febre, cansaço, tosse, perda de apetite, dores de cabeça e musculares, e náuseas. Um número reduzido de pacientes desenvolveu ainda complicações potencialmente mais graves, incluindo pneumonia e anormalidades na função hepática e renal. A gravidade dessas anormalidades, assim como a necessidade de hospitalização dos pacientes e se algum caso terá ou não sido fatal não foram, no entanto, relatados.
O vírus foi identificado pela primeira vez em 2018, resultado de um sistema mundial de vigilância, sendo que todos os infetados haviam estado em contacto direto e recente com animais. Quatro anos depois, o Langya ocupa manchetes de jornais e revistas resultado da publicação do estudo desenvolvido por uma equipa da China, Singapura e Austrália. A investigação permitiu reunir um conjunto de dados essenciais sobre o novo vírus, nomeadamente no que toca à sua semelhança com outros vírus já conhecidos.
Dos 35 casos identificados nos últimos quatro anos, não foi registada nenhuma morte, o que, juntamente com o facto de não existirem sinais de transmissão do vírus de humano para humano, tem tranquilizado a comunidade científica. Os pacientes analisados não pareceram transmitir o vírus a contatos próximos, nem apresentaram histórico de exposições comuns, pelo que o Langya poderá ser responsável apenas por infeções esporádicas e pouco frequentes, com origem no contacto entre animais e pessoas.
Ainda assim, e embora desse ponto de vista as descobertas feitas pareçam tratar-se de boas notícias, existem alguns aspetos alarmantes do vírus. Segundo o estudo publicado, o Langya apresenta características comuns com um tipo de vírus conhecido como henipavírus, uma classe que inclui vírus como o do sarampo ou papeira, mas também alguns patógenos perigosos como o vírus Nipah ou o vírus Hendra, que apresentam taxas de mortalidade extremamente elevadas variando entre os 40% e os 75%. Tanto um como o outro tiveram a sua origem em animais.
Poderão estas semelhanças entre o vírus Langya e os vírus Nipah e Hendra ser preocupantes? Uma vez que os resultados publicados partem de uma pesquisa que ainda terá de ser aprofundada, a resposta à questão permanece em aberto. O facto de, tanto não existirem ainda mortes associadas ao novo vírus, como em quatro anos se terem registado apenas 35 casos, pode ser um bom indicativo. De acordo com o testemunho de Peter John Hudson, professor de biologia da Penn State, especialista em patógenos, à NBC News, o vírus Langya parece diferente dos vírus Hendra e Nipah. “Está intimamente associado aos henipavírus, mas pode nem estar nessa família”, explica.
Num mundo que ainda hoje enfrenta, não apenas o vírus da Covid-19, mas as suas consequências, o receio de uma nova pandemia não deixa de se fazer sentir. Por agora, no entanto, não parecem existir motivos para preocupação. “O que é importante dizer às pessoas é que não há transmissão entre humanos e que as infeções foram espaçadas no tempo. Nada tem a ver com o que aconteceu com o SARS-CoV-2, que quando surgiu provocou imediatamente um surto enorme em Wuhan. Aqui são infeções zoonóticas ocasionais (transmitidas de animais para pessoas), em que os vírus não estão adaptados para a transmissão entre humanos. Então, normalmente, aquilo morre ali e são fenómenos locais”, explica, ao Expresso, Pedro Simas, diretor do instituto Católica Biomedical Research Centre. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem também seguido de perto as atualizações sobre o Langya na eventualidade de ser necessário tomar medidas que impeçam o seu desenvolvimento e avanço.
Qual foi a origem do Langya para os humanos?
O estudo publicado não respondeu definitivamente à questão, mas propôs algumas hipóteses. A principal sugestão para qual o animal que terá transmitido aos humanos o vírus Langya foi o musaranho, pequenos mamíferos semelhantes a camundongos que se alimentam de insetos. Depois de examinarem 25 espécies de pequenos animais selvagens, a equipa descobriu que 27% dos musaranhos tinham o vírus Langya, a maior percentagem registada entre todas as espécies analisadas. “Há eventos de transmissão claramente repetidos do que parece ser um reservatório comum em musaranhos”, explicou à NBC News, Vaughn Cooper, professor de biologia evolutiva da Universidade de Pittsburgh que não terá participado no estudo. “A equipa fez um trabalho muito bom ao avaliar as alternativas e encontrar esse como a explicação mais provável”, acrescentou.
Hospedeiros referem-se a espécies nas quais circula um vírus, muitas vezes sem efeitos nocivos, que podem transmitir a humanos ou outros animais. Os musaranhos não são, no entanto, um hospedeiro óbvio dado que apresentam uma curta expectativa de vida, como explica Hudson. “Nesta fase, não sabemos qual é o hospedeiro”, sublinhou. “A minha sugestão seria que fosse uma raposa voadora.”
A proposta de Hudson também tem o seu fundamento: vírus com semelhanças ao Langya, como os referidos Hendra e Nipah, tiveram origem neste animal. O professor de biologia propôs também que as raposas voadoras poderiam passar o vírus para roedores ou musaranhos que depois o transmitiriam aos humanos. Esta cadeia de transmissão já existe em outros vírus. Tanto o Hendra como o Nipah entraram no organismo humano após terem seguido uma cadeia de vários animais. No caso do primeiro, por exemplo, o vírus é geralmente transmitido de morcegos para cavalos, infetando, depois, os seres humanos através das excreções ou fluídos corporais dos animais.
De acordo com Hudson e Cooper, muitos henipavírus não estudados e não documentados provavelmente circulam em animais, razão pela qual é essencial manter sempre um permanente estado de vigilância no que toca a estes tópicos, até porque “se vamos evitar a próxima pandemia, temos realmente de parar estes processos que vão dos hospedeiros para os humanos”, como realça Hudson.
O próximo passo é, agora, aprofundar a pesquisa, de modo a determinar o quão grave o vírus pode ser, como se espalha e o quão disseminado pode ser na China e na região. A Direção-Geral de Saúde (DGS) já se encontra preparada para aplicar quaisquer medidas aconselhadas pela OMS. “Tendo em conta que o alerta não foi efetuado pelas autoridades chinesas, mas sim no contexto de uma publicação científica, o procedimento internacional deste tipo de alerta requer esta abordagem inicial da OMS, pelo que, a DGS, assim como as autoridades de saúde dos restantes países aguardam mais informação da OMS e do ECDC”, explica, em resposta à Lusa, a autoridade nacional.