“Este é o momento em que o mundo mais aprendeu sobre a importância da saúde pública em 100 anos”, afirma Tom Frieden, ex-diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América, à CNN. “Por outro lado, corremos o risco de avançar a todo vapor para a fase de negligência do ‘ciclo de pânico-negligência'”.
Este ciclo é marcado, como o nome indica, pelo pânico sobre uma determinada condição e rapidamente passar para uma subvalorização da mesma, descartando as funções necessárias para prevenir, identificar, conter e responder a surtos de doenças infecciosas.
Esta problemática é uma preocupação dos especialistas, porque, garantem, é inevitável que volte a surgir uma outra pandemia. “Vivemos numa era de pandemias”, assegura Larry Brilliant, epidemiologista e CEO da Pandefense Advisory, uma rede de especialistas envolvidos na resposta à pandemia. Cerca de seis em cada dez doenças infeciosas, que tiveram origem animal, transpuseram-se para os humanos. “E esse risco tem aumentado nos últimos 20 anos”, alerta, acrescentando “a cada ano, o risco aumenta mais”.
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, concorda. “O investimento numa pesquisa biomédica básica e clínica permitiu-nos, a uma velocidade sem precedentes, desenvolver vacinas altamente eficazes que, essencialmente nunca teríamos imaginado que seria possível tão rapidamente”, elogia. “Mas precisamos de continuar a fazer estes investimentos, não apenas na ciência, mas na infraestrutura da saúde pública”.
“O que não queremos é que nossos filhos, e talvez nossos netos, esqueçam o que passamos”, realça ainda Anthony Fauci. Para que se possa eventualmente evitar o surgimento de uma nova pandemia, os especialistas deixam algumas recomendações que podem fazer para ajudar:
1. Aumentar o financiamento da saúde pública
Frieden explica que os EUA gastam pelo menos “cerca de 300 a 500 vezes” mais na defesa militar no que na defesa da saúde pública, apesar de nenhuma guerra na história ter tirado a vida a um milhão de americanos (a Covid já matou mais de um milhão só nos EUA e 6.3 em todo o mundo).
Kizzmekia Corbett, professora assistente de imunologia e doenças infecciosas da Harvard TH Chan School of Public Health, no Life Itself, concorda. “É difícil, especialmente do ponto de vista do financiamento, convencer as pessoas com grandes bolsos… a dizer: ‘Talvez isto possa acontecer, talvez não, mas precisamos de investir milhões de dólares nesta área'”.
Também Larry Brilliant, epidemiologista e CEO da Pandefense Advisory considera necessário mais investimento na saúde global. O orçamento da Organização Mundial da Saúde é menor do que o de algumas grandes cidades dos EUA. “E a Organização precisa de tratar do risco de pandemia para 200 países e todas as outras coisas que a OMS faz”, alerta.
2. Proteger a natureza
A prevenção da pandemia também significa “cuidar dos sistemas para proteger a natureza, para que esta não volte para nos morder”, disse Frieden. Isto porque, segundo vários estudos que revelam as causas das doenças envolvendo animais, o risco foi maior quando a exploração humana e a destruição do habitat natural ameaçaram os animais selvagens.
Pensar na saúde ambiental como parte de nossa saúde é fundamental para reduzir o transbordamento de vírus, afirma Christine Kreuder Johnson, professora de medicina e epidemiologia da Universidade da Califórnia. E para que isto aconteça é fundamenta que haja um esforço para desacelerar as mudanças climáticas, garante Brilliant. “Por causa do aumento das temperaturas, os animais estão a migrar do sul para o norte”, informa. “Quando os animais migram e mudam de território, entram em contacto com outros animais com os quais nunca tiveram contacto antes. E trocam vírus, assim como trocam vírus connosco.”
3. Agir mais cedo
Os epecialistas defendem que é necessário detetar os surtos de uma nova doença precocemente e tratá-los rapidamente enquanto são pequenos, evitando uma emergência maior. “O meu grupo, Resolve to Save Lives, sugeriu uma meta a que chamamos de 7-1-7: cada surto, em qualquer parte do mundo, que seja detetado até sete dias após o surgimento, deve ser relatado num dia e as medidas de controlo implementadas em sete dias”, disse Frieden. Esta abordagem “permite identificar rapidamente as coisas que precisam ser corrigidas”.
4. Melhorar a comunicação da saúde pública
Frieden afirma que, apesar das ferramentas que estão ao dispor para combater as pandemias, estamos mais vulneráveis do que nunca, em parte devido à falta de confiança generalizada entre comunidades, governos e sistemas de saúde.
“O CDC literalmente escreveu o livro sobre como deve ser feita a comunicação da saúde pública numa emergência: sejam os primeiros, sejam assertivos, credíveis, empáticos, forneçam soluções práticas e comprovadas às pessoas para se protegerem a si mesmas, às suas famílias (e) comunidades”, comenta Frieden. “Infelizmente, isso não foi implementado (nos EUA), nem pelo governo anterior, nem por este. E sofremos por isso”.
A comunicação sobre a pandemia “tem sido um desafio”, admite Rochelle Walensky, diretora do CDC, da Life Itself. “Estamos divididos contra um inimigo comum, que tem sido esse vírus pandémico”. “Tivemos que tomar decisões com dados imperfeitos e tempos imperfeitos, mas se não tomássemos uma decisão naquele momento, seria apenas uma decisão em si”, acrescentou. “Precisamos seguir e entender a melhor ciência que temos no momento em que decisão está a ser tomada”, acrescenta.
5. Combater a desinformação
Com a pandemia, destacou-se, ainda mais, a desinformação. “Tem sido muito desafiador para a saúde, para os médicos e outros lidar com a desinformação viral, que se espalha ainda mais rápido que a variante Omicron”, lamenta Frieden.
6. Apostar cada um na sua própria saúde
A resiliência individual é outro fator-chave na prevenção de doenças graves, alerta Frieden. “Uma das razões pelas quais a Covid matou tantas pessoas é porque havia tantas pessoas vulneráveis com problemas de saúde”, explica o especialista. Assim, recorda é importante tomar todos os medicamentos prescritos, comer alimentos saudáveis e não fumar.