Só em 2020, foram diagnosticados mais de 5 mil novos casos de cancro do pulmão em Portugal, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), e um número não muito longe de pessoas morreu devido à doença nesse ano: 4797. A nível global, registam-se por ano mais de 2 milhões de casos e a doença é responsável por 18,4% das mortes relacionadas com cancro (cerca de 70% dos casos são diagnosticados numa fase avançada da doença por ser assintomática inicialmente, de forma geral). A incidência é maior nos homens, apesar de se verificar uma tendência crescente no sexo feminino.
A idade avançada, por exemplo, é um fator de risco, assim como a história familiar de cancro do pulmão, algumas patologias associadas ao órgão, alterações moleculares e também exposições ambientais e ocupacionais. Mas o que acontece em relação ao tabaco? “O principal causador [da doença] é claramente o fumo do tabaco, porque tem um grande conjunto de substâncias que induzem mutações que se vão acumulando num processo complexo conhecido como carcinogénese, que pode levar ao desenvolvimento de cancro”, explica à VISÃO Gonçalo Paupério, Diretor do Serviço de Cirurgia Torácica do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto.
Um documento da OMS de 2019 sobre os efeitos do fumo do tabaco numa pessoa fumadora refere que “a probabilidade de um fumador contrair cancro do pulmão durante a vida é 22 vezes maior do que a de um não fumador”, acrescentando que o consumo de tabaco é a causa principal do cancro do pulmão. Já de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, entre 80% e 90% dos diagnósticos de cancro do pulmão estão relacionados com o tabagismo.
Contudo, um estudo de abril da Albert Einstein School of Medicine, em Nova Iorque, publicado no jornal académico Nature Genetics, concluiu que alguns fumadores podem ter mecanismos de defesa que permitem limitar a progressão de mutações nas células do pulmão, baixando, dessa forma, o seu risco de desenvolver cancro. Numa entrevista em 2021, Nuno Gil, Diretor da Unidade de Pulmão da Fundação Champalimaud, explicou que “quem fuma está mais propenso a ter cancro do pulmão, mas fumar por si só não é uma razão suficiente para se ter a doença”, sendo que 85% dos fumadores nunca irão desenvolver cancro do pulmão”.
“O estudo comparou células recolhidas da árvore respiratória de fumadores e não fumadores, sendo que essa colheita não foi realizada no contexto de cancro de pulmão”, explicou, por seu lado, Gonçalo Paupério, acrescentando que os investigadores detetaram uma “acumulação de mutações com o aumento da idade e também a presença de um número significativamente superior nos fumadores”. Além disso, a investigação concluiu que esse número de mutações cresce paralelamente à quantidade de exposição ao tabaco, aumento esse que cessa a partir de certo nível de exposição.
Portanto, o estudo sugere que “alguns fumadores podem ter eles mesmos mecanismos celulares que limitam as mutações, protegendo-os do desenvolvimento de cancro do pulmão”, o que pode explicar eventualmente o facto de o tabaco ser a sua principal causa. “Sendo que, no entanto, só uma parte dos fumadores desenvolve cancro”, esclarece o médico. “O tabaco é o responsável por 9 em cada 10 cancros do pulmão – este número demonstra bem o seu impacto -, e a doença está fortemente associada ao número de cigarros fumados, ao tempo de exposição e à profundidade de inalação”, afirma ainda Paupério.
Diagnóstico precoce é essencial
A taxa de sobrevivência deste cancro depende do estadio no qual é diagnosticado e, por isso, diagnosticar mais cedo a doença pode fazer toda a diferença. “Sabemos que quanto mais precocemente for feito o diagnóstico melhor será o prognóstico da doença. É algo extensamente estudado, sendo que nos estadios precoces os doentes podem realizar um tratamento com intuito curativo, seja a cirurgia, a radioterapia e combinando ou não quimioterapia ou outros tratamentos sistémicos”, explica Paupério.
Por outro lado, controlar a doença quando já está numa fase mais avançada é uma tarefa cada vez mais hercúlea. “O diagnóstico precoce vai implicar o ganho de anos de vida, permitindo que alguns doentes tenham a possibilidade de cura e que outros tenham um ganho de tempo de vida, preferencialmente com qualidade”, diz ainda o especialista. Atualmente, a realização periódica de TAC com baixa dose de radiação em pessoas de risco, por exemplo, leva a uma deteção mais precoce da neoplasia.
Mas há forma de prevenir este cancro? “Claro que a principal atitude a tomar é não fumar”, reitera Paupério. Além disso, também se deve adotar um estilo de vida saudável, fazer exercício físico de forma regular e evitar ambientes com fumo. E mesmo os doentes com diagnóstico de cancro de pulmão devem deixar de fumar, afirma o especialista. “Aconselhamos todos os doentes a suspender esse hábito, que se traduz numa diminuição de queixas de cansaço, falta de ar e tosse” diz. E acrescenta: “Isto pode ter implicações na capacidade de o doente tolerar o tratamento, podendo influenciar o prognóstico. Era importante que as pessoas tivessem noção de que, mesmo após a deteção da doença, deixar de fumar pode fazer toda a diferença”.