Imagine, sugere o psiquiatra e psicoterapeuta Pedro Silva Carvalho, “que a sua memória é um disco e começa a perder as últimas músicas e assim progressivamente”. É desta forma que o especialista e um dos fundadores da Unidade de Psicogeriatria do Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, explica como se manifesta a doença de Alzheimer. “Pode chegar a esquecer-se as memórias até à data em que se casou com o seu marido, e depois já não o reconhece.” Apesar de não ter cura, há estratégias para retardar os sintomas deste tipo de demência – que só em Portugal atinge 100 mil pessoas, segundo Rui Araújo, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia e neurologista no Hospital de São João. “Não existem medicamentos que, iniciados precocemente, diminuam a probabilidade de se desenvolver a doença de Alzheimer”, refere, explicando: “Esta doença é a consequência da deposição de proteínas anómalas no cérebro que interferem com o normal funcionamento dos neurónios, levando à morte destes.”
Este tipo de demência, que é consequência da deposição de proteínas anómalas no cérebro, atinge 100 mil pessoas em Portugal
Os especialistas sugerem as melhores estratégias para ajudar a retardar a evolução deste processo degenerativo, que afeta sobretudo pessoas a partir dos 65 anos, com uma ligeira predominância para o género feminino.
1. Evitar fatores de risco
Se está preocupado com a probabilidade de desenvolver esta doença neurodegenerativa, pode começar por evitar alguns fatores de risco. Entre eles estão, por exemplo, a hipertensão arterial, a diabetes mellitus, o tabagismo, a inatividade física e mental, e o défice de audição, segundo o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia. A má higiene de sono, o stressse em demasia e o isolamento também “podem alterar a memória e aumentar o risco de demência”, avisa Luísa Lopes, neurocientista do Instituto de Medicina Molecular, garantindo que existem estudos que o comprovam.
2. Socializar
Conviva com familiares e amigos para manter o cérebro o mais ativo possível através do diálogo e da partilha de bons momentos. Participe em atividades culturais como teatro ou cinema, por exemplo. “O isolamento social pode aumentar o risco de demência”, avisa Luísa Lopes, porque, ao isolar-se, está a “atrofiar” o desenvolvimento da mente e a degenerar o cérebro.
3. Ter uma vida saudável
Uma boa alimentação e a prática de exercício físico podem ajudar a retardar o aparecimento da doença. “Quando fazemos exercício físico, estamos a aumentar a plasticidade do cérebro e também diminuímos fatores de stresse”, nota a neurocientista Luísa Lopes.
“Sabemos que fazer exercício físico aumenta a reserva cognitiva”, acrescenta, por seu lado, a neurologista Sofia Nunes Oliveira, responsável pela Consulta de Memória do Hospital da Luz.
O neurologista Rui Araújo, também assistente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, aconselha ainda ter uma alimentação saudável de dieta mediterrânica. A neurocientista acrescenta, por sua vez, a toma de dois a três cafés por dia como “fator protetor contra a doença de Alzheimer, principalmente em mulheres, aumentando a concentração e atenção a curto prazo”.
4. Estimular o cérebro
Treine a mente com exercícios cognitivos e de memória, como cálculo, leitura de livros, jornais ou revistas, ou jogos de palavras-cruzadas, puzzles e xadrez, por exemplo, aconselha a neurologista Sofia Nunes Oliveira, da consulta de memória do Hospital da Luz.
Ouça ou aprenda música, concentre-se e memorize o que está à sua volta quando caminha ou corre para manter o cérebro o mais ativo possível e exercitar a memória à semelhança do que faz com o corpo. Estas estratégias podem, assim, ajudar a atrasar o aparecimento e a progressão da doença que é “imparável e avança em cascata, apesar de não haver forma de a prevenir”, avisa o psicoterapeuta Pedro Silva Carvalho. Quanto mais estimular o cérebro, melhores serão as hipóteses de adiar a doença. Segundo a neurocientista Luísa Lopes, há estudos conclusivos de que “as pessoas com alto nível de educação e com um maior estímulo intelectual, durante o seu desenvolvimento, vão ter, em princípio, uma maior capacidade de memória e até mesmo um menor risco de demência”.
E se estimular a memória é importante para atrasar o aparecimento da doença, também é fundamental fazê-lo quando a doença já está instalada. O neurologista Rui Araújo aconselha os doentes a terem uma rotina com atividades para exercitar a mente e a parte motora. Também a psicoterapia e a terapia cognitivo-comportamental podem ajudar.
5. Medicação
“O Alzheimer não tem cura. Mas, com medicação, conseguimos atrasar a evolução desta doença neurológica que causa a perda progressiva das funções cognitivas”, nota o psicoterapeuta Pedro Silva Carvalho. Os únicos medicamentos que existem para tratar os sintomas cognitivos e que ajudam a controlar a demência, ou seja, atuam na perda das faculdades cognitivas, são o donepezilo, galantamina, rivastigmina e memantina, sublinha o neurologista Rui Araújo. Segundo o também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, “estes medicamentos atuam pela modulação de neurotransmissores (aumento da acetilcolina ou diminuição do glutamato) no sistema nervoso, que se pensa estarem em falta ou cuja presença pode ser deletéria”. Estes doentes também costumam tomar antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos para controlar os sintomas comportamentais, como agressividade, alterações de sono e sexuais, e tentativas de fuga.
Sintomas
► Esquecimentos como dificuldade em recordar-se de eventos importantes e de reter novas informações
► Repetir e perguntar várias vezes as mesmas coisas
► Dificuldade de raciocínio e na linguagem
► Dificuldade em planear
► Não conseguir resolver os problemas
► Não compreender as imagens ou as relações espaciais
► Dificuldade em executar as tarefas familiares que antes conseguia fazer
► Desorientação
► Dificuldades no andar e no equilíbrio
Medicamentos novos
Foi aprovado, recentemente, um tratamento para a doença de Alzheimer nos EUA, chamado aducanumab. Trata-se de um medicamento inovador que vai atuar de forma diferente dos medicamentos que já existem no mercado, porque “vai remover proteínas anómalas que provocam a neurodegenerescência”, resume o neurologista Rui Araújo. Ainda não se sabe se as agências europeias vão dar um parecer positivo a este medicamento.