Quando se fala em demência, fala-se de um conjunto de doenças que levam à perda das capacidades cognitivas. A causa mais comum de demência é, de longe, a doença de Alzheimer, mas há outras causas. Dessas, as mais comuns são a demência vascular, a demência de corpos de Lewy e a demência frontotemporal. Há outras formas muito raras, algumas delas de causa genética, como a doença de Huntington.
De uma forma simplificada, considera-se que uma doença tem uma parte do risco determinado pelos genes (pelo seu DNA, sendo cerca de metade de origem do pai e outra metade da mãe), outra parte pelo ambiente (isto é, alimentação, exercício, experiências de vida, acidentes, etc.), e uma parte que depende da interação entre os genes e os fatores ambientais. Estes pesos vão variando muito de doença para doença. Nalgumas, o peso genético é muito grande, noutras, este é quase inexistente.
O mesmo acontece nas doenças que levam à demência que são por isso classificadas como multifactoriais. Há as formas hereditárias, em que a causa é 100% genética, isto é, são causadas por uma alteração genética (uma alteração no DNA) que pode ser transmitida dos pais para os filhos. As pessoas que têm estas alterações têm um risco próximo dos 100% de ter a doença a certo ponto da vida. Estes doentes são habitualmente mais jovens, na faixa dos 40 aos 60 anos, e têm com frequência pessoas na família com a mesma doença, ou outra doença degenerativa, com início nesta idade, como acontece, por exemplo, com a doença de Huntington. Contudo, estas formas são uma minoria. A maioria das demências tem vários fatores que levam à doença, havendo um peso genético maior ou menor, que leva a uma suscetibilidade maior ou menor para a desenvolver.
A causa mais comum de demência é, de longe, a doença de Alzheimer
Das formas mais comuns de demência, a demência frontotemporal é aquela que se associa a uma carga genética mais forte, em que pelo menos um terço dos doentes afetados tem uma forma hereditária.
Por outro lado, a demência vascular é aquela que menos é associada a fatores genéticos, sendo sobretudo associada aos conhecidos fatores de risco vascular, como a hipertensão arterial, a diabetes, o tabagismo, a obesidade, entre outros. A demência de corpos de Lewy também tem um peso genético baixo. Contudo, mesmo nestas doenças, há doentes (e famílias – raras) com formas hereditárias.
A doença de Alzheimer é considerada uma doença com um peso genético importante. Embora sejam também raras as pessoas com formas hereditárias “puras” (menos de 1%), considera-se que, na maioria das pessoas, mais de metade do risco tem que ver com os genes. Ainda assim, a maioria dos doentes tem várias causas que levam à doença. De facto, o principal fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade. Com o aumento da idade, o risco de ter a doença aumenta de uma forma exponencial (duplica cada dez anos a partir dos 65 anos). Assim, não é incomum uma pessoa ter um familiar que teve doença de Alzheimer, habitualmente em idades tardias e em famílias de grande longevidade. Tal como noutras doenças, ter um familiar que teve a doença aumenta o risco de desenvolver a doença, mas este é não é substancial.
Contudo, pensa-se que haverá muitos fatores genéticos ainda por determinar. Este campo tem tido grandes desenvolvimentos nos últimos 20 anos e o conhecimento dos fatores genéticos envolvidos na doença tem sido um dos motores de compreensão dos mecanismos de doença mais relevantes. Além disso, hoje em dia, começam a ser testados tratamentos dirigidos mais especificamente aos doentes e a certas alterações genéticas (chama-se tratamento personalizado, como já acontece no cancro), pelo que a compreensão destes fatores é essencial.
Havendo ainda muitos fatores genéticos por descobrir, presume-se que muitos serão exclusivos ou dominantes em certas populações. De facto, há, por exemplo, doenças genéticas que são mais comuns na população portuguesa, como a polineuropatia amiloidótica familiar (conhecida como “doença dos pezinhos”), descoberta por Corino de Andrade, ou a doença de Machado-Joseph, diagnosticada pela primeira vez em emigrantes portugueses nos Estados Unidos da América. Mesmo dentro das demências, há também algumas formas hereditárias relativamente mais comuns do que noutros países.
Neste momento, no Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (dr. Miguel Tábuas Pereira e prof. Isabel Santana), em colaboração com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e numa colaboração internacional com o Van Andel Institute (prof. Rita Guerreiro e Prof. José Brás), nos Estados Unidos da América, estamos a fazer um estudo sobre fatores de risco genético da doença de Alzheimer em Portugal, esperando contribuir para a melhor compreensão da doença e, no futuro, um tratamento melhor e mais personalizado dos nossos doentes.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.