Perda de peso rápida, insónias, alucinações, dificuldades de concentração, perda de memória e mobilidade limitada. Tudo sintomas de uma doença neurológica progressiva que parece estar a afetar um número crescente de jovens na província canadiana de New Brunswick e sem aparente relação com qualquer outra condição de saúde.
A doença misteriosa está a ser encarada com incredulidade pela comunidade médica, com os casos suspeitos a aumentarem e com pessoas jovens como principais “vítimas”, provocando um rápido declínio cognitivo entre alguns dos afetados.
O primeiro caso da doença data de 2015, mas o surgimento de 11 casos em 2019 e de mais 24 em 2020 deixou os médicos da região em alerta. Acredita-se que pelo menos oito mortes estejam associadas à doença.
Ao jornal britânico The Guardian, um funcionário da Vitalité Health Network, uma das duas autoridades de saúde de New Brunswick, que preferiu manter-se no anonimato por receio de repercussões, revelou os contornos desta misteriosa condição. O número oficial de casos sob investigação mantém-se inalterado desde que foram anunciados os primeiros casos. São 48 – mas múltiplas fontes suspeitam que o verdadeiro número esteja na ordem dos 150.
A doença tem ainda uma particularidade bastante perturbadora: pelo menos nove dos casos registados são relativos a pessoas que mantém um estreito contacto entre si (embora sem ligações genéticas), o que sugere que fatores ambientais possam estar envolvidos no desenvolvimento da doença.
Em concreto, dois destes casos são conhecidos. Um é o de uma mulher que desenvolveu, sem qualquer razão aparente, insónias, desgaste muscular, demência e alucinações – a mulher era cuidadora do seu marido, que sofria de sintomas de demência e ataxia (um transtorno neurológico caraterizado pela falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e de equilíbrio). Agora, a sua condição é pior do que a dele.
O outro é o de um estudante de enfermagem na casa dos 20 anos, cuidador de uma mulher que não comunica verbalmente e que necessita de ser alimentada por um tubo, que começou também a desenvolver sintomas de declínio neurológico.
“Estou verdadeiramente preocupado com estes casos porque parecem evoluir tão rapidamente”, disse o colaborador da Vitalité, que decidiu tornar estes aspetos públicos devido à alarmante velocidade com que a doença parece estar a atacar pessoas jovens – uma faixa populacional em que as doenças neurológicas são bastante incomuns. “Estou preocupado com eles e devemos-lhes algum tipo de explicação”.
“Esta não é uma doença de New Brunswick. Somos provavelmente a área que está a chamar a atenção porque vivemos numa zona maioritariamente rural, e numa área onde as pessoas podem ter mais exposição a fatores ambientais”, explica ainda o denunciante.
A condição apresenta inúmeras semelhanças com a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) – uma doença neurodegenerativa rara e fatal causada por proteínas mal-formadas, designadas priões. Em cerca de 70% dos casos, os pacientes desta doença morrem dentro de um ano após o diagnóstico inicial.
No entanto, a doença tem conseguido ‘fintar’ uma série de testes padronizados realizados na Clínica Especial de Doenças Neurodegenerativas, na cidade de Moncton – a principal referência na zona para este tipo de condições – não tendo sido possível, até agora, identificá-la.
Apesar das semelhanças, os casos identificados não correspondem à DCJ, e o mistério tem levado alguns médicos da província a acreditar que estão perante uma nova doença neurológica – uma equipa de cientistas está a tentar perceber se New Brunswick está a lidar com uma doença neurológica previamente desconhecida ou se, pelo contrário, se trata de um conjunto de doenças não relacionadas, que até agora foram mal diagnosticadas.
Alier Marrero, o neurologista que lidera a investigação, garante que não há provas “que sugiram tratar-se de uma doença priónica”. De acordo com o cientista, os pacientes começaram por se queixar de dores inexplicáveis, espasmos e mudanças de comportamento – sintomas que poderiam ser facilmente diagnosticados como ansiedade ou depressão – mas que evoluíram progressivamente para declínios cognitivos, perdas musculares e alucinações.
Devido à dificuldade em estudar o tecido cerebral, e também ao facto de estes sintomas poderem estar associados a uma multiplicidade de condições, tem sido difícil determinar que casos pertencem ao “aglomerado” da Península Acadiana, zona de New Brunswick onde está localizada a maioria dos casos.
Parte da investigação consiste também em determinar se existe algum fator comum, como um alimento, fonte de água, plantas, insetos ou outro fator ambiental que fosse comum a todos os casos e pudesse explicar a progressão da doença – até agora, sem sucesso.
Apesar dos receios da população, fontes oficiais têm tentado reduzir a preocupação, sugerindo que os casos fatais da doença tinham resultado de um diagnóstico errado – e que as vítimas tinham morrido de doenças neurológicas diferentes e não relacionadas entre si.
Mas um cientista da agência de saúde pública do Canadá, especializado em doenças neurodegenerativas, afirma que “o facto de termos aqui um espectro mais jovem de pacientes argumenta fortemente contra o que parece ser a posição adotada pelo governo de New Brunswick – que os casos neste grupo estão a ser erradamente agrupados”.
Alguns peritos acreditam, no entanto, que uma neurotoxina encontrada nas algas presentes em toda a região costeira da província – β-Metilamino-L-alanina (BMAA) – possa estar relacionada com os variados sintomas. Um estudo de 2018 já confirmou a concentração elevada de BMAA na lagosta, um alimento cuja indústria constitui uma das principais atividades económicas das comunidades costeiras da região.
No entanto, pedidos de cientistas para estudar o tecido cerebral dos pacientes que morreram da doença, na esperança de encontrar vestígios dessa toxina, foram recusados pelas autoridades locais.
Esta recusa levou ao surgimento da suspeita na comunidade de que os esforços para excluir a existência de um aglomerado de casos sejam motivados por fatores económicos ou políticos.
“Continuamos a dizer aos doentes que o país está com eles, e que serão feitos testes para que possamos descobrir isto. Dizemos-lhes que vamos chegar ao fundo da questão para os podermos ajudar”, diz ainda o funcionário da Vitalité. “E até agora, isso ainda não aconteceu. Mas eles precisam de nós”.
Está prevista para este mês a divulgação de um relatório oficial que verificará se os 48 casos registados são, de facto, correspondentes a uma doença comum ou se são antes casos de doenças distintas diagnosticadas erradamente.