A privação de sono já tem sido associada a inúmeros efeitos negativos na saúde. Agora, um grupo de cientistas da Universidade de S. Paulo descobriu mais um: a falta de sono pode afetar o nosso equilíbrio e a nossa capacidade de andar e mover o corpo.
A equipa de cientistas, decidida a descobrir que efeitos a falta de sono tem na marcha, recrutou um grupo de 30 voluntários. Todos eram estudantes universitários, que não tinham condições pré-existentes de desequilíbrio na marcha ou de distúrbios do sono.
Os voluntários foram seguidos e avaliados quanto aos seus hábitos de sono, e posteriormente divididos em três grupos. Um primeiro grupo, o grupo de controlo, foi constituído pelos estudantes que dormiam pouco durante a semana mas compensavam essa falta de sono dormindo mais no fim-de-semana. O segundo grupo foi constituído por pessoas que não compensavam essa falta de sono aos fins-de-semana, e foi denominado Grupo de Restrição Crónica do Sono (em inglês, Sleep Chronic Restriction – SCR). Aos estudantes que integravam o terceiro e último grupo, foi pedido que ficassem acordados durante uma noite inteira. Os estudantes deste grupo, o Grupo de Privação Aguda do Sono (SAD – Sleep Acute Deprivation, em inglês) não dormiram desde a noite de uma quinta feira até ao dia seguinte e não puderam recorrer a cafeína ou outro tipo de estímulo.
De seguida, todos os participantes tiveram de caminhar numa passadeira enquanto tentavam coordenar os seus passos com a batida de um metrónomo. Os resultados revelaram que o grupo SAD – que tinha passado uma noite em claro – foi o que teve o pior desempenho no teste, apresentando menos equilíbrio e tendo mais dificuldades em acompanhar o ritmo do metrónomo.
“[Os participantes] tiveram de sincronizar os seus passos com o ritmo, e descobrimos que os erros eram maiores nas pessoas com privação aguda do sono”, explica Arturo Forner-Cordero, autor principal do estudo e, professor associado de mecatrónica na Universidade de São Paulo. “Estavam fora do ritmo, falharam os beeps, e tiveram no geral uma performance pior”.
Embora o ato de caminhar pareça bastante simples e até mecânico, a verdade é que a marcha está longe de ser um processo automático. Requer um certo nível de atividade cerebral para manter o equilíbrio e responder a fatores externos, como obstáculos. Por isso vale a pena questionar até que ponto a falta de sono pode influenciar negativamente a nossa marcha e tornar mais difícil desviarmo-nos de obstáculos como outras pessoas na rua ou veículos em andamento.
Os investigadores chegaram a uma outra conclusão: os estudantes que dormiam pouco durante a semana mas compensavam dormindo mais horas no fim-de-semana tiveram resultados ligeiramente melhores no teste, o que pode sugerir que dormir até mais tarde no fim-de-semana pode ajudar a mitigar os efeitos de uma semana a dormir horas a menos, de acordo com Forner-Cordero. “Idealmente, toda a gente devia dormir oito horas por noite. Mas se não conseguirmos, então devemos compensar o mais possível e o mais regularmente possível”, aconselha.
Esta descoberta confirma resultados de estudos já realizados, que atingiram conclusões semelhantes – nomeadamente um estudo conduzido na Suécia, que revelou que pessoas que dormem poucas horas por noite estão expostas a um maior risco de mortalidade quando comparadas com pessoas que dormem pelo número de horas recomendadas. No entanto, em pessoas que compensavam a falta de sono durante a semana dormindo mais horas ao fim-de-semana, esse risco era atenuado.
Higiene do sono dos portugueses tem muito a melhorar
A Sleep Foundation, uma organização dedicada à saúde do sono, recomenda entre 7 a 9 horas de sono por noite, para adultos entre os 18 e os 64 anos, reduzindo levemente o número de horas para 7 a 8, para adultos acima dos 65. No entanto, quase metade dos adultos portugueses com mais de 25 anos dorme menos de seis horas por dia. Os dados foram revelados num inquérito conduzido em 2019 pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e pela Sociedade Portuguesa da Medicina do Trabalho (SPMT).
De acordo com o inquérito, “46% dos portugueses com idade igual ou superior a 25 anos dormem menos de 6 horas por dia, 21% dizem que demoram mais de 30 minutos para adormecer, 32% consideram ter um mau sono e 40% reportam dificuldade em manter-se acordados durante a condução e outras atividades diárias” – o que revela que grande parte dos portugueses “mantém maus hábitos de higiene do sono e não lhe atribui a mesma importância do que a uma nutrição saudável ou a prática de exercício físico regular”.
A grande percentagem de inquiridos que afirmou ter sentido dificuldade em manter-se acordado é particularmente expressiva – 40% dos inquiridos referiu pelo menos um episódio, no último mês, de dificuldade em manter-se acordados enquanto conduziam, durante as refeições ou em atividades sociais – e alinha-se com as descobertas feitas no estudo em questão.
“A má higiene do sono afeta negativamente a qualidade de vida em termos de perda de memória, sonolência acentuada, défice de concentração, irritabilidade e alteração do humor”, pode ler-se no comunicado que revela os resultados do inquérito. O estado de sonolência e falta de atenção aumenta o risco de acidentes de viação e acidentes de trabalho, entre outros. Além disso, um estudo de 2018 confirmou que a falta de sono crónica pode duplicar o tempo que o cérebro leva a reagir a estímulos.
Além do mais, a falta de sono prolongada está associada ao aumento do risco de condições como a obesidade, doenças cardíacas ou diabetes.