Um passeio pelos corredores de qualquer supermercado revela uma tendência que, embora já existente, a era da Covid-19 veio exacerbar. A oferta de produtos que afirmam ter benefícios para a imunidade e ajudar no funcionamento do sistema imunitário não para de aumentar. Iogurtes e outros produtos lácteos, bebidas vegetais, sumos, produtos para bebés ou crianças – é crescente a quantidade de produtos que anunciam ter algum tipo de benefício para o sistema imunitário ou conter um nutriente que impulsiona a imunidade.
Durante a pandemia da Covid-19, a preocupação com nosso o sistema imunitário intensificou-se, como é compreensível. Inúmeras informações falsas circularam durante o início da pandemia, incluindo publicações nas redes sociais que afirmavam que o vírus tinha um pH neutro e que, para curar a infeção, bastaria consumir alimentos com um pH mais alto, como citrinos, abacaxi, abacate, alho e manga. Embora estes remédios caseiros tenham sido desmentidos, a rápida difusão de informações falsas como esta demonstrou a ânsia dos portugueses de se defenderem da Covid-19 através da alimentação.
A nutricionista Ana Rita Lemos confirma: “Cada vez mais e, principalmente desde da pandemia, verifica-se uma procura crescente por produtos alimentares capazes de ‘ajudar o sistema imunitário’ como, por exemplo, os complexos de suplementos vitamínicos e minerais”, explica, acrescentando que “desde da instalação da pandemia que é notável, por parte dos meus clientes, a preocupação crescente com o reforço do sistema imunitário e com a sua potencial capacidade de influenciar a resposta do organismo à doença”.
Mais de um terço dos consumidores inquiridos pela Innova Market Insights, uma empresa de marketing holandesa, disse estar mais preocupado com a sua imunidade em 2020 do que em 2019. Um grande número de consumidores está igualmente interessado em saber que ingredientes e práticas alimentares podem ter efeitos positivos na sua imunidade, em especial na Ásia e na América Latina. Nestes mercados em particular, uma maior percentagem de consumidores está preocupada com o seu sistema imunitário, e acredita na relação entre ‘produtos funcionais’ – produtos processados que alegam ter efeitos positivos para a saúde – e a imunidade. Já em países como a França, por exemplo, apenas um quarto dos inquiridos afirmou acreditar na relação entre os produtos funcionais e a imunidade.
Com a imunidade no topo das prioridades dos consumidores, o setor alimentar aproveitou a oportunidade para desenvolver uma miríade de produtos que prometem impulsionar a resposta imunitária. De acordo com a Innova, foram lançados 383 produtos alimentares com alegações de saúde imunológica no primeiro semestre deste ano, ultrapassando a contagem do primeiro semestre do ano passado, de 326.
“A questão da imunidade surge em quase todas as conversas que tenho com clientes”, assevera Lu Ann Williams, diretora de inovação na Innova. “Temos medo de ficar doentes. O sistema de saúde americano é muito confuso. Os consumidores estão à procura de alternativas mais baratas que lhes possam trazer algum benefício”.
Dados da PepsiCo mostram que, no período anual até 30 de setembro, surgiram 120 novos produtos com alegações de impulsionar o sistema imunitário – quase o dobro em relação ao período anual anterior. “A imunidade é muito popular neste momento”, diz Emily Silver, vice-presidente de Inovação e Capacidades do ramo norte-americano de bebidas da empresa. “Esforçamo-nos por fornecer produtos que satisfaçam as necessidades dos consumidores, com ingredientes cientificamente comprovados, que proporcionem benefícios para a saúde, permitindo ao consumidor decidir o que é melhor para ele”, acrescenta.
De acordo com especialistas da área, muitos destes produtos incluem de facto na sua composição nutrientes que são benéficos ao sistema imunitário. Mas se seguimos uma dieta saudável, é relativamente fácil ingerirmos uma quantidade adequada destes nutrientes. “Convém lembrar os nutrientes que de facto possuem um papel importante no nosso sistema imunitário, como é o caso da vitamina D, zinco, probióticos, vitamina C e vitamina E. Se no caso da vitamina E (com azeite e frutos gordos, sobretudo amêndoa e avelã), zinco (carne, lacticínios e cereais enriquecidos) e vitamina C (couves, pimento, citrinos, kiwi, agrião, e morangos) pode ser relativamente fácil atingir doses diárias destes nutrientes, nos outros casos, a suplementação pode de facto ser equacionada”, explicou a nutricionista Ana Ni Ribeiro à VISÃO.
Alguns suplementos que possuem alguma evidência científica são, por exemplo, os probióticos, vitamina D e vitamina C – mas são aconselháveis apenas “quando não se consegue chegar lá através da alimentação”, reforça.
A nutricionista aconselha a preferência por alimentos naturais, e relembra que não há uma “solução mágica” que garanta a imunidade à Covid-19, ou a qualquer outra doença. “Ter o boletim de vacinas em dia, fazer exercício, ter uma alimentação rica em antioxidantes provenientes da fruta e legumes, não descurando a ingestão de hidratos de carbono, são as melhores acções para potenciar o seu sistema imunitário”, afirma, acrescentando que a perda de peso (em pessoas com excesso de peso) e deixar de fumar são também formas eficientes de melhorar o sistema imunitário.
“Mas como estamos na era da ignorância científica, é sempre bom relembrar que a forma mais eficaz de dar um ‘boost’ ao nosso sistema imunitário é a vacinação [contra a Covid-19 e a gripe nos casos necessários]”, garante Ana Ni Ribeiro.
Uma “moda” que veio para ficar
É de esperar que, mesmo depois de a crise pandémica acalmar, a procura por alimentos – e suplementos – que fortaleçam a imunidade continue alta. De acordo com a analista de mercado francesa ReportLinker, estes produtos deverão continuar a crescer, ultrapassando os 17 mil milhões de dólares de lucro em 2025, devido à crescente urbanização e ao aumento das preocupações com a saúde e estilo de vida das populações.
Ana Rita Lemos acredita que, apesar de “o mundo da nutrição estar em constante mudança e atualização”, é provável que ainda vejamos este tipo de produtos por algum tempo. “É inegável o impacto que a pandemia teve na população e nos seus hábitos, nomeadamente alimentares, por isso, considero que, mais do que nunca, o sistema imunitário irá ser uma temática que subsistirá pelo menos, por alguns anos”, explica.
Em termos de setores específicos, os lacticínios são uma área “a manter debaixo de olho”, segundo a Innova. O crescimento é particularmente robusto em produtos lácteos fermentados, incluindo os iogurtes – alimentos processados que podem conter probióticos, bactérias que vivem no trato intestinal e têm benefícios como o fortalecimento do sistema imunológico. Devido a estas características naturais, os iogurtes são particularmente apetecíveis para desenvolver produtos que fortaleçam a imunidade. “À medida que os consumidores procuram formas de se manterem saudáveis através do reforço do seu sistema imunitário, é provável que sejam atraídos [para estes produtos] pela saúde intestinal e pelos benefícios da saúde imunitária nesta categoria”, declara a Innova.
Os iogurtes de skyr e kefir, por exemplo, ingredientes apresentados como alternativas mais saudáveis aos iogurtes tradicionais, já se tornaram comuns em vários supermercados portugueses – muitos deles alegando efeitos benéficos para o sistema imunitário.
“Os ingredientes que aumentam a imunidade desempenharão um papel significativo no próximo ano, enquanto que a investigação e o interesse no papel do microbioma e da nutrição personalizada como formas de reforçar a imunidade serão acelerados”, afirma a Innova, que identificou a imunidade como uma das dez principais tendências no setor alimentar para 2021.