Quando aos 15 anos Pedro Marques, agora com 26, começou a sentir “o coração a bater cada vez mais forte, tonturas e visão turva”, pensou logo que ia desmaiar. Entrou numa espiral de sintomas que o deixou terrificado. “Parecia que ia morrer”, lembra. Descobriu, depois, que teve um ataque de pânico.
“É das piores experiências que se pode viver em termos de ansiedade. É como se uma pessoa se estivesse a afogar”, descreve David Neto, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde, da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Também Sofia Soares, 24 anos, fica em sobressalto: “Perco o controlo e a noção de onde estou. Parece que vou desmaiar.”
Segundo o psicólogo David Neto, “os ataques de pânico são reações agudas de ansiedade que se traduzem em sintomas físicos, como batimento cardíaco acelerado, hiperventilação, tonturas ou uma sensação de sufoco”. Podem começar com “uma simples sensação corporal ou um pensamento sobre algo ameaçador”, acrescenta a psicóloga e psicoterapeuta Assunção Neto. Em poucos segundos, “é acionada uma reação em cadeia, envolvendo sensações físicas, além de pensamentos de medo, sentimentos de terror e de desespero”, continua a descrever a também psicóloga e psicoterapeuta no Centro Clínico da Guarda Nacional Republicana (GNR), avisando: “É arrebatador.”
O ataque de pânico atinge um pico ao fim de dez a 15 minutos, diminuindo depois gradualmente.
Pensar que se vai morrer ou enlouquecer
A experiência é tão intensa que muitas pessoas acham que vão morrer ou enlouquecer.
Também costumam queixar-se de “perda de controlo, mas nunca chegam a perdê-lo”, assim como acham que vão desmaiar, mas “é raro acontecer”, assegura David Neto que também é professor no ISPA – Instituto Universitário, em Lisboa, onde faz investigação em Psicologia Clínica, Psicoterapia e Saúde Mental. Como aconteceu com Pedro Marques, há dois meses, durante o último ataque de pânico que teve, em casa, em Lisboa, no final do dia de trabalho. “É um descontrolo completo.
Pedro Marques, 26 anos, sentiu “o coração a bater cada vez mais forte, tonturas e visão turva”. Sofia Soares, 24 anos, diz que perde a noção de onde está
Pensava mesmo que ia desmaiar e morrer”, descreve o gestor, que lançou recentemente uma aplicação na área da saúde mental, chamada Hug-a-Group, que disponibiliza terapia de grupo online, moderada por psicólogos, a custos acessíveis. Mas já lá vamos. Voltando àquele dia em que Pedro teve o ataque de pânico, tudo começou com uma tontura que associou logo a uma possível quebra de tensão. Comeu e deitou-se a descansar para ver se melhorava. Mas os sintomas agravaram-se e começaram a escalar de forma súbita, sem que os conseguisse controlar. “Fiquei pálido, com as mãos dormentes, muitos suores, pulsação elevada, vómitos. Sentia que tinha de fazer um grande esforço para falar.” Apesar de toda aquela avalanche de sintomas, o jovem ainda conseguiu chamar o INEM que o conduziu às urgências hospitalares. Saiu de lá com o mesmo diagnóstico de muitas outras vezes: ataque de pânico.
A primeira vez que Pedro se sentiu assim tinha 15 anos. Não conseguia perceber o que lhe estava a acontecer. “Parecia que ia morrer e fiz uma bateria de exames médicos, no hospital.” Até os pais chegaram a suspeitar de que podia estar muito doente. Os exames não acusaram nenhum problema de saúde físico, tal como aconteceu com Sofia por causa das dores de estômago.
“Parece que vou desmaiar”
Nenhum deles consegue perceber muito bem o que despoletou os ataques de pânico. Mas, entretanto, já tiveram mais alguns ao longo dos anos. Sofia, por exemplo, lembra-se de três episódios graves, um deles durante o confinamento e que a obrigou a correr para as urgências hospitalares. “Sentia muita pressão e stresse no trabalho, andava muito ansiosa, tinha insónias. Emagreci tanto que pesava 44 quilos.”
A descrição de Sofia não é muito diferente da que Pedro faz. “Perco o controlo e a noção de onde estou, e parece que vou desmaiar”, começa a desfiar, lembrando o primeiro ataque de pânico que teve “a sério”, em 2018. “Acordei a meio da noite e não conseguia respirar. Com o coração a bater a mil, começo a perder a força nas pernas, a tremer muito, dores de estômago”, lembra a profissional da área da comunicação. Tal como Pedro, também Sofia acabou assustada nas urgências do hospital com um enorme mal-estar e a desfalecer.
Já no tempo da universidade, acordava por vezes a meio da noite com vários sintomas. Foi piorando com o tempo. “Comecei a perceber que algo fora do normal estava a acontecer.” E teve de pedir ajuda psicológica.
Além de todos estes sintomas e de a pessoa sentir-se como se estivesse a morrer, também pode achar que “está ficar louca”, sublinha a psicóloga clínica Assunção Neto. “É aterrador sentir que sou eu, mas não sou eu, que estou ali, mas não estou. E que estou a enlouquecer”, desabafa Maria Silva, 39 anos. Parece que o mundo desaba naquele momento e não vê luz ao fundo do túnel. Só deseja “que aqueles pensamentos e sensações inexplicáveis, mas castradoras, terminem o mais rapidamente possível e nunca mais voltem”. Por norma, refere David Neto, “demora uma hora e meia a desaparecer”. Mas para estas pessoas parece uma eternidade. É como “uma viagem que parece demorar horas”, lamenta Maria Silva. E que, no seu caso, começa com “um calor no peito, aperto no ventre”.
Depois de um ataque de pânico, a pessoa, “às vezes, pode demorar um ou dois dias a voltar ao seu estado físico e mental normal”, esclarece a psicóloga clínica Assunção Neto. No caso de Sofia, até “pode demorar meses a recuperar”, lamenta a jovem. Ainda assim, a recaída vem sempre sem aviso. E são muitas as vezes que Sofia se interroga, “revoltada: Porquê a mim?”. Ainda não encontrou a resposta. Mas foi adquirindo algumas ferramentas que lhe permitem viver com os ataques de pânico. “Comecei a fazer exercícios de respiração, meditação, reiki e sinto-me muito mais relaxada.” Sente que melhorou. “Vou tendo crises de ansiedade, mas, graças a Deus, os ataques de pânico não têm sido recorrentes”, desabafa, satisfeita por ter encontrado um porto seguro. Tal como Pedro, que chegou a ter consultas de psiquiatra. E não sai à rua sem a sua “muleta. Tenho de andar sempre no bolso com o SOS, o Victam, porque acho que, a qualquer momento, vai acontecer alguma coisa, que posso perder o controlo”. Logo que começa a “sentir uma pontada” no peito, o coração a acelerar e tonturas, já sabe que tem de reagir de imediato para que os sintomas não entrem numa espiral que depois não consegue controlar. “Sento-me, tento acalmar-me, controlar a respiração ao inspirar e expirar devagar, e tomo o ansiolítico” para não escalar para o ataque de pânico. Nem sempre consegue. Por isso, vive um dia de cada vez. Ainda que em desassossego.
Sinais de alerta
► Subida repentina da ansiedade sem causa aparente
► Dificuldade em respirar
► Suores frios
► Tremores
► Coração a bater forte
► Visão turva
► Aperto no peito
► Tonturas ou outros desconfortos ou tensões físicas intensas
► Eventual dor de barriga
► Sensação de perda total de controlo face à situação que se está a vivenciar
► Sensação de perigo iminente
► Medo de desmaiar, enlouquecer ou morrer
► Sentimentos de terror e desespero
“O medo de ter medo”
Viver assim com medo de, a qualquer momento, ter um ataque de pânico acaba por interferir no quotidiano destas pessoas. Nalguns casos, pode gerar isolamento social, alerta a psicóloga Isabel Cardoso, que presta apoio psicológico e dinamiza grupos de autoajuda na Associação Portuguesa das Perturbações da Ansiedade (APPA). Muitas vezes, estes pacientes optam por não saírem à rua para evitar a possibilidade de alguém tecer comentários menos construtivos sobre o seu comportamento”, explica a psicóloga.
Muitos deixam de fazer determinadas coisas que sabem, de antemão, que podem gerar um episódio. Como andar em transportes públicos, conduzir na autoestrada ou estar em espaços fechados como, por exemplo, centros comerciais ou elevadores. “São locais onde as pessoas sentem que não podem fugir, que estão encurraladas”, sublinha David Neto. Sofia, por exemplo, ainda há pouco tempo desistiu de ir um espetáculo com receio de ter um ataque de pânico. Já tinha os bilhetes comprados, mas começou a pensar que “iria estar num espaço fechado e de máscara a tapar a cara. O meu problema é a respiração”. E depois, continua, “pensava onde ficaria a saída de emergência e já não consegui ir ao espetáculo”. Ficou em casa. “É muito difícil lidar com isso, mas já estou muito melhor. Até já conduzo.” Em miúda tinha “receio do desconhecido”. Ainda hoje, se Sofia tiver de ir a algum sítio que não conhece, calcula “todos os cenários possíveis” e escolhe “o que lhe causa menos ansiedade”. Ainda assim, admite, “isso limita muito”. No caso de Maria, “a sensação de perigo iminente faz com que tenha de sair de imediato do local e encontrar um sítio que dê alguma segurança”.
Na realidade, elucida a psicóloga Assunção Neto, “têm medo das próprias reações físicas, o que leva a um estado de hipervigilância sobre os sintomas físicos ou algo que possam considerar ameaça ou doença”. Mais, realça: “Surge o medo de ter medo.”
O professor universitário David Neto aconselha, por isso, a procurar ajuda de um psicólogo que pode despistar as causas do ataque de pânico. “Para aprender a gerir a ansiedade e a confrontar as situações.”
Mas toda esta ajuda implica custos que, no caso de algumas pessoas, se tornam difíceis de suportar. “Gastava cerca de 250 euros, por mês, em psicoterapia, e nem toda gente pode pagar esse valor”, conta Pedro Marques. Foi a pensar nessas pessoas que criou a aplicação mobile Hug-a-Group, com grupos de terapia online, a 15 euros por sessão, que são moderados por psicólogos. A aplicação tem ainda uma componente gratuita para os utilizadores partilharem experiências. “Não estou a dizer que vamos resolver todos os problemas do mundo, mas pode ser a porta de entrada para as pessoas identificarem os problemas e adquirirem algumas ferramentas”, considera.
Segundo o psicólogo David Neto, “cerca de 30% da Humanidade vai ter um ataque de pânico, ao longo da vida, e a maior parte não sofre de qualquer perturbação”. Pode acontecer quando se vive uma experiência muito intensa e com muita ansiedade como, por exemplo, quando um pai vê o filho nascer ou um trabalhador é despedido. “Há ainda uma menor percentagem de pessoas que desenvolvem perturbação de pânico”, o que consiste na repetição destes ataques ao longo do tempo, com frequência. Podem acontecer várias vezes por semana ou até várias vezes ao dia. O importante é saberem que não estão sozinhas. Que há mais pessoas que sofrem como elas e podem ter ajuda.
Como evitar ter um ataque de pânico?
A psicóloga Isabel Cardoso aconselha:
► Procure ajuda profissional. Pessoas com traumas mais severos necessitam de uma psicoterapia mais profunda, para chegar até à raiz do problema
► Descanse o suficiente
► Alimente-se corretamente
► Faça caminhadas a pé na Natureza ou exercício físico
► Pode recorrer às técnicas mindfulness que ajudam a trabalhar a atenção plena e a ficar mais focado no presente, sem estar preocupado com os outros e com o futuro
Qual a diferença entre ansiedade e stresse?
“É uma sensação de tensão emocional e/ou física, resultante de circunstâncias sentidas como adversas ou de alta exigência”, descreve a psiquiatra Susana Sousa Almeida, do Hospital CUF Porto. Pode, assim, surgir “perante a exposição a acontecimentos stressores”, como a morte ou doença grave de um familiar, o divórcio, o casamento, um acidente ou o nascimento de um filho, acrescenta, por seu lado, Catarina Portela, psicóloga clínica e psicoterapeuta da Clínica da Mente. Já a ansiedade, explica a psicóloga Catarina Portela, surge como uma resposta psicológica ao stresse, ou seja, é uma consequência deste. E ocorre “perante circunstâncias antecipadas e consideradas como altamente aversivas, pois são imprevisíveis e incontroláveis, sejam elas reais ou imaginárias”, sustenta.
A ansiedade é uma consequência do stresse?
Tanto Catarina Portela como Susana Sousa Almeida acreditam que sim. A psicóloga Catarina considera mesmo que a “ansiedade surge como uma resposta psicológica ao stresse”. A ansiedade acaba por ser “uma manifestação prolongada do stresse”, corrobora a psiquiatra Susana Sousa Almeida. Mais, adverte: “As perturbações da ansiedade e a depressão são, de longe, as psicopatologias mais comuns observadas após a exposição a stresse crónico”. Catarina Portela acrescenta, por seu lado, que a “ansiedade tem uma dimensão complexa que pode incluir perturbações como a ansiedade generalizada, timidez e fobia social, ataques de pânico, perturbação obsessivo-compulsiva, insónias, e fobias específicas – por exemplo, a agorafobia.
Há pessoas mais predispostas a sofrerem de ansiedade?
A psiquiatra Susana Sousa Almeida diz que sim. “Há famílias em que os pensamentos focados em medos intensos ou um estado de maior alerta para potenciais ameaças são mais frequentes.” Avisa, contudo, que estas perturbações costumam “resultar da mistura e interação de fatores de predisposição e do meio ambiente”. E dá como o exemplo o caso de uma criança que cresce a observar comportamentos e a ouvir relatos de medos desproporcionais às situações. Logo, sublinha, “mais facilmente aprende que estas podem ser perigosas e começa a ficar em alerta em contextos semelhantes”. Catarina Portela realça, por seu lado, o apoio social e familiar, a personalidade e as crenças como algumas das características que podem influenciar a experiência de stresse e, consequentemente, da ansiedade. E acrescenta ainda a este rol o controlo, a autoestima, a inteligência emocional, as estratégias para lidar com as exigências, o tentar agradar sempre as pessoas e a gestão do tempo. A psicóloga refere ainda a pressão para fazer muitas coisas ao mesmo tempo e para não falhar, assim como não ter momentos de lazer, entre outros aspetos.