Há muito tempo que a diabetes está identificada enquanto fator de risco agravado de sofrer de doença grave, em caso de infeção pelo vírus SARS-CoV-2. No entanto, a própria covid-19 poderá causar diabetes, sobretudo em quem já tenha predisposição para a doença. Agora, os cientistas parecem estar mais próximos de descobrir porquê.
Um estudo publicado na revista Cell Metabolism concluiu que o coronavírus consegue infetar as células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina e adulterar a sua função, um fenómeno chamado de transdiferenciação, o que pode explicar o facto de algumas pessoas, mesmo saudáveis, desenvolverem diabetes durante ou após recuperarem da doença.
Uma análise coordenada pelo instituto nacional de estatística britânico, ainda sem revisão dos pares, revela que, num universo de quase 50 mil doentes hospitalizados devido à covid-19, 4,9% foram diagnosticados com diabetes nos cinco meses seguintes a terem alta.
O coronavírus consegue infetar as células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina e adulterar a sua função
Existem várias teorias sobre a forma como o vírus atuará no pâncreas. O SARS-CoV-2 conseguirá infetar as células pancreáticas através da mesma porta de entrada que utiliza para contaminar os pulmões, a proteína ACE2, e terá a capacidade de interferir na produção de insulina (a hormona que permite regular o nível de glucose no sangue).
Outra possibilidade é a resposta imunitária exuberante contra o vírus danificar, acidentalmente, o pâncreas. Também a persistência da inflamação causada pela infeção poderá tornar os tecidos do organismo menos reativos à insulina.
A investigadora Shuibing Chen, uma das autoras do estudo publicado na Cell Metabolism, desenvolveu células em laboratório, iguais às de vários órgãos do corpo humano, com o objetivo de identificar as mais vulneráveis à covid-19. De acordo com os resultados, os pulmões, o cólon, o coração, o fígado e o pâncreas são suscetíveis à infeção, assim como as células cerebrais que produzem dopamina (neurotransmissor associado ao prazer).
O mistério do pâncreas
Ainda não é claro se as mudanças provocadas pelo vírus no pâncreas serão permanentes ou temporárias. Há relatos de doentes internados em cuidados intensivos, com níveis instáveis de glucose, que recuperaram totalmente, sem vestígio de diabetes.
Um estudo conduzido por investigadores da Universidade de Siena, em Itália, comprovou que o SARS-CoV-2 ataca as células pancreáticas através da proteína ACE2, que existe em grandes quantidades na superfície das células produtoras de insulina.
Há relatos de doentes internados em cuidados intensivos, com níveis instáveis de glucose, que recuperaram totalmente
Ao mesmo tempo, também ficou demonstrado que o nível de proteínas ACE2 aumenta durante estados inflamatórios, o que pode explicar a maior suscetibilidade dos doentes com diabetes tipo 2 à infeção, uma vez que podem já ter algum tipo de inflamação no pâncreas.
Os médicos também têm registado casos de doentes com diabetes tipo 1 que começaram a desenvolver uma resistência severa à insulina, o que é característico da diabetes tipo 2.
“Estes estudos parecem ser consistentes com a ideia de que a covid-19 pode aumentar o risco de desenvolver diabetes nas pessoas com predisposição para a doença e mesmo completamente do zero”, ou seja, em quem é saudável, afirmou o especialista em cirurgia metabólica Francesco Rubino ao jornal The Guardian.
Este cientista do King’s College London está envolvido na criação de uma base de dados mundial sobre os casos de diabetes associados à covid-19.
Descobrir como o organismo responde à insulina após a infeção pelo SARS-CoV-2 será fundamental para desvendar estes mistérios clínicos.