Já se sabia, com base noutros estudos, que é possível sincronizar inconscientemente funções corporais, como o batimento cardíaco e a respiração, quando se partilha uma experiência como um concerto ou durante uma conversa. Porém, um estudo recente pretendeu verificar se a frequência cardíaca é moldada pelo estado de consciência e, portanto, se depende do foco da atenção. Além disso, os investigadores queriam perceber se tal reação é exclusiva a pessoas que estejam no mesmo espaço físico e em interação.
Através de quatro experiências, os especialistas do Instituto do Cérebro de Paris descobriram que o fenómeno de sincronização ocorre mesmo quando as pessoas estão a ouvir uma história sozinhas, mas para isso acontecer têm de estar a prestar atenção.
“O que descobrimos é que o fenómeno é muito mais amplo e que simplesmente seguir uma história e processar o estímulo causará oscilações semelhantes na frequência cardíaca das pessoas. É a função cognitiva que aumenta ou diminui a frequência cardíaca”, explicou Lucas Parra, engenheiro biomédico da Universidade da cidade de Nova Iorque e um dos autores do estudo, citado pela Cell Press.
De forma a conseguirem registar os dados cardíacos, enquanto os participantes estavam a ouvir ou a ver num vídeo as histórias, estavam, em simultâneo, a realizar um eletrocardiograma. Nas últimas duas experiências foi analisada, também, a respiração dos voluntários.
Experiências
No primeiro teste, 27 adultos ouviram um excerto de 16 minutos da obra de ficção científica de Júlio Verne Vinte Mil Léguas Submarinas’. “O texto é cheio de suspense, pois descreve relatos de um monstro desconhecido que destrói navios”, pode ler-se no estudo publicado na revista Cell Reports.
Os resultados indicaram que a frequência cardíaca dos participantes mudou com base no que ia acontecendo na história e, na maioria deles, o aumento e a diminuição da frequência cardíaca ocorria no mesmo período de tempo.
“O que é importante é que o ouvinte esteja a prestar atenção às ações da história”, disse o co-autor do artigo e neurocientista Jacobo Sitt, também citado pela Cell Press. “Não se trata de emoções, mas de estar envolvido, atento e pensar sobre o que vai acontecer a seguir. O coração responde a esses sinais do cérebro”, acrescentou.
O teste seguinte envolveu duas partes. Iniciou-se com o visionamento de cinco pequenos vídeos que, ao contrário do audiobook, não implicavam variações emocionais, o que permitiu concluir que o envolvimento emocional com a história não tem influência na sincronização. Isto porque, independentemente da presença ou ausência de emoções, os batimentos cardíacos foram semelhantes e o fator comum é o foco com que os participantes assistiram, neste caso, ao vídeo.
Na segunda parte, os participantes viram novamente o vídeo, mas desta vez enquanto contavam mentalmente, de sete em sete, a partir de um número aleatório entre 800 e 1000. Com o dilema acrescido, os resultados mostraram que a atenção tem um papel fulcral, pois os batimentos cardíacos não seguiram o mesmo padrão.
Com base nisto, o terceiro teste pediu a que 21 adultos se lembrassem de factos sobre uma série infantil. Alguns puderam ouvir com atenção a história e outros foram distraídos pelos especialistas. A equipa percebeu que quanto mais sincronizados os batimentos cardíacos dos participantes estavam durante a história, maior era a probabilidade de se lembrarem de detalhes com precisão, o que demonstrou aos especialistas que as alterações na frequência cardíaca são um sinal do processamento consciente de uma narrativa.
Por fim, os especialistas aplicaram o teste anterior a 19 pessoas com distúrbios de consciência – coma ou estado vegetativo – e compararam com os resultados de 24 participantes saudáveis.
Os resultados mostraram que os doentes tiveram taxas mais baixas de sincronização do que os indivíduos saudáveis, mas também que alguns destes doentes que mostraram níveis mais elevados de sincronização voltaram a recuperar alguma consciência nos seis meses seguintes.
Possíveis impactos nos métodos clínicos
As conclusões obtidas no estudo poderão ajudar a desenvolver novos exames hospitalares, de fácil execução, para determinar o nível de consciência de determinados doentes. Segundo Jacobo Sitt, “este estudo é ainda muito preliminar” mas os o método pode “ser implementado para medir a função cerebral. Não requer muito equipamento e até pode ser feito numa ambulância a caminho do hospital”.
Ainda assim, será necessário obter uma validação adicional com uma amostra maior de voluntários, de forma a avaliar o real impacto clínico do método proposto. “Uma das limitações deste método é que requer que os doentes, além de conscientes, sejam também capazes de processar a linguagem. Além disso, acreditamos que a história de dez minutos que usámos pode ter sido muito curta para uma medida confiável”, escreveram os autores no estudo.