Também conhecida como “obstipação”, a prisão de ventre é, diz o médico Eduardo Mendes, “um distúrbio caracterizado pela dificuldade persistente em evacuar, ou pela diminuição da frequência das evacuações (menos de três vezes por semana)”. A situação, diz, “pode ter um início súbito ou lento”. Mas, lembra a médica Filipa Miguel, o problema não afeta apenas as pessoas que “esvaziam o intestino três ou menos vezes por semana”. Também “deve ser encarado como tendo prisão de ventre o indivíduo que, embora defeque diariamente, em 25% das visitas ao WC apresente: fezes duras, sensação de esforço ao defecar e sensação de esvaziamento incompleto do intestino”. E este grupo, avisa a especialista, é o que “mais tarda a reconhecer que sofre de prisão de ventre e mais demora a procurar ajuda”.
No vídeo, a médica Filipa Miguel explica quais são as três regras de ouro para acabar com a prisão de ventre.
Quais são as queixas?
As maiores queixas dos doentes são as “dores abdominais ou complicações como as hemorroidas ou as fissuras anais”, descreve a médica da CUF Santarém, notando que, muitas vezes, são estas situações que “motivam o doente a procurar ajuda”. “Se o indivíduo souber reconhecer o problema, pode agir preventivamente e evitar as complicações”, avisa.
É normal ter dificuldade em viagens?
Segundo o médico Eduardo Mendes, “algumas pessoas queixam-se de que o intestino não funciona regularmente em ambientes estranhos ou quando alteram a rotina, por exemplo, durante as viagens”. E garante: “Essa obstipação é passageira e costuma desaparecer quando se retomam as atividades habituais.” “Sabemos que intestino e sistema nervoso andam de mãos dadas”, sublinha, por seu lado, a médica Filipa Miguel, explicando que é por isso “que mudanças de ambiente como viagens, mudança de casa, stresse, sintomas depressivos ou ansiedade podem afetar o funcionamento do intestino”. Daí que “cerca de 80% das pessoas já sofreu de prisão de ventre transitória, em algum momento da sua vida”.
O que é considerada uma situação normal?
O número de evacuações varia de pessoa para pessoa, mas podemos considerar um padrão de normalidade de três vezes ao dia a uma vez a cada três dias, desde que não haja desconforto, dor ou outros sintomas, esclarece Eduardo Mendes, do Hospital da Cruz Vermelha.
O que distingue a prisão de ventre?
Para se perceber se estamos perante este problema, deve-se, de acordo com a nutricionista Ana Lúcia Silva, da Cruz Vermelha, considerar a ocorrência de dois ou mais dos seguintes sintomas nos últimos três meses: esforço excessivo para evacuar, fezes secas e granulosas, sensação de evacuação incompleta, sensação de bloqueio ou obstrução anorretal, estimulação manual, menos de três dejeções semanais. Além disso, nota o médico Eduardo Mendes, é frequente existir dores, desconforto, distensão e inchaço abdominal, mal-estar, gases abundantes, perturbações digestivas e, por vezes, perda de peso.
Como se diagnostica?
“Através da história clínica do doente e da obstipação, uma avaliação detalhada das queixas e dos sintomas, e um exame médico completo podem fornecer dados importantes para esclarecer a situação”, exemplifica Eduardo Mendes, acrescentando que o “exame proctológico (toque retal) é um exame rápido, indolor, sem riscos, que pode dar muita informação útil”. Em regra, diz, estes “são suficientes para que o médico tenha um diagnóstico ou uma hipótese diagnóstica com elevado grau de certeza”. Mas, se for necessário, podem ser feitas “análises ao sangue, o clister opaco, a colonoscopia, a TAC abdominal e pélvica, ou outros exames mais complexos”.
Quais são as causas?
A causa é geralmente resultante de uma combinação de diferentes fatores, avança a especialista Filipa Miguel, dizendo que, por trás de uma obstipação, estão, em regra, estilos de vida, doenças não relacionadas com o intestino, como doenças hormonais ou neurológicas, e alguns medicamentos. Neste último caso, a nutricionista Ana Lúcia lembra que tal pode suceder com antidepressivos, anticonvulsivantes, antipsicóticos, antiespasmódicos, bloqueadores dos canais de cálcio, anticolinérgicos ou opioides. E também com doenças ou alterações neuronais (como lesão da espinal medula, acidente vascular cerebral, esclerose múltipla, Parkinson), doenças metabólicas ou endócrinas (como hipotiroidismo, diabetes mellitus) e doenças inflamatórias do intestino (síndrome do cólon irritável ou diverticulose). O médico Eduardo Mendes, da Cruz Vermelha, resume: “As causas mais comuns da prisão de ventre costumam ser uma dieta pobre em fibras, pouca ingestão de líquidos, o sedentarismo, o não responder à necessidade de evacuar quando ela se manifesta e guardar para mais tarde, a ansiedade, a depressão e a toma de alguns medicamentos.” No entanto, adianta, a “obstipação também pode estar associada a doenças do cólon e do reto, como a diverticulose, as hemorroidas, as fissuras anais, o cólon espástico, o cancro do cólon ou do reto.
Como se trata?
A maioria dos doentes, garante a médica de família Filipa Miguel, “apenas requer intervenções ao nível do estilo de vida, nomeadamente revisão dos hábitos alimentares, reforço da ingestão de líquidos e um incremento da atividade física”. A grande maioria, concorda Eduardo Mendes, “melhora só com alterações na dieta e no estilo de vida”, como reforço da ingestão de fibras (legumes, verduras, frutas, cereais integrais, etc.), de alimentos com propriedades laxativas, como ameixas, pêssegos, kiwis, ou pelo uso de farelo misturado com os alimentos ou diluídos em água na sopa ou em sumos. “Dado que a prisão de ventre é apenas um sintoma e não uma doença em si, o objetivo do tratamento é corrigir as causas da perturbação”, aconselha.
Ao mesmo tempo, os médicos sugerem que, nesta fase inicial, se tome laxantes, pois estas medidas de alteração comportamental “podem demorar algumas semanas a regularizar o funcionamento do intestino”, avisa a médica da CUF. No entanto, frisa Eduardo Mendes, devido aos “possíveis efeitos secundários do uso de laxantes”, recomenda-se “que a sua prescrição seja orientada e acompanhada por um médico”. Há ainda uma minoria de casos de prisão de ventre que poderão necessitar de investigação adicional e eventual referenciação a consulta de gastroenterologia ou de cirurgia, admite Filipa Miguel. É que, segundo Eduardo Mendes, em casos menos frequentes, em que a obstipação é causa secundária de outra patologia mais grave, é o tratamento dessa patologia que melhora ou resolve o problema da obstipação, algumas vezes com recurso à cirurgia.
Laxantes
Veja as recomendações da médica Filipa Miguel, da CUF:
► A primeira opção deve recair sobre os laxantes expansores de volume como, por exemplo, a ispagula, o guar, a metilcelulose, o farelo de trigo ou de aveia. Isto porque, explica, “são bem tolerados e estimulam naturalmente o funcionamento do intestino, mas pode demorar até três dias para obter o efeito desejado”.
► A segunda opção são os laxantes osmóticos, como a lactulose ou o macrogol; o seu efeito é mais rápido, pode usá-los por alguns dias, mas o uso prolongado ou frequente não é recomendado sem aconselhamento médico prévio.