A medida do Governo britânico de tirar Portugal da lista verde de países para onde os seus cidadãos podem viajar de forma livre, sem necessidade de quarentena foi recebida com “perplexidade”, “estranheza” e “sem justificação” pelos especialistas. A razão invocada pelo ministro dos transportes inglês de haver casos no nosso País de uma “espécie de mutação do Nepal da chamada variante indiana” da qual não se sabe “o potencial em relação à imunidade dada pelas vacinas” é vista como “exagerada” e “sem razão científica séria”.
“Não vejo razão para se atribuir maior preocupação a esta linhagem do Nepal”, diz à VISÃO Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Em causa está uma mutação (a K417) na linhagem do vírus da variante Delta (a denominação da variante indiana), esta mutação ocorre, também e como outras, na proteína spike – a responsável pela entrada do vírus nas nossas células. “Esta mutação também está na variante Beta (a sul africana)”, nota.
Em declarações ao Público, João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), é perentório: “É da variante indiana que se está a falar, que tem uma série de mutações. Esta mutação do Nepal é apenas uma delas. Para se ter uma ideia, é uma mutação que existe já em todos os casos da variante da África do Sul. Não é nova, já a conhecemos. E o que sabemos dela até agora é que pode – atenção, pode – dar um pouco mais de transmissibilidade”.
Segundo o Insa, estão registados 12 casos da variante indiana com esta mutação em Portugal – embora os ingleses tenham referido 68 casos – sendo que, no mundo inteiro, foram reportados 90.
“Não há qualquer evidência de que esta sub-linhagem seja pior. Os ingleses acham que ela se vai portar mal. Com 90 casos em todo mundo o que me ocorre dizer é que isto é uma tempestade num copo de água”, explica João Paulo Gomes, ao mesmo jornal, revelando “estranheza” com as justificações dadas pelos ingleses para a retirada de Portugal da lista Verde.
Carmo Gomes defende que esta mutação seria preocupante caso se verificassem três fatores: “grande aumento de casos com esta mutação”; “pessoas hospitalizados gravemente doentes devido a esta mutação”; ou “caso de detetasse pessoas já vacinadas infetas com ela”. Como “nenhum destes pressupostos teve lugar” a exclusão da lista verde “é uma desculpa com o outra qualquer”. O especialista não vê base científica para a decisão britânica e diz-se “perplexo” com a mesma.
O médico de saúde pública Gustavo Tato Borges aponta à VISÃO “uma clara questão política” para a deliberação inglesa. “Mesmo que fossem 68 casos não me parece haver razão que justifique a saída da lista verde.” O, também, vice-presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, nota que temos “uma situação pandémica relativamente controlada” e que o “nível de risco inglês é bem maior do que o nosso”. “Esta medida, em termos de saúde pública, não se entende”, conclui.