As imagens que chegam dos hospitais e cemitérios da Índia têm deixado o Mundo perplexo, mas o vírus não conhece fronteiras e a situação parece começar a verificar-se nos vizinhos Butão e Nepal, bem como noutros países do Sudeste Asiático, do Laos à Tailândia. O aumento de novos casos deve-se, sobretudo, a variantes mais contagiosas do coronavírus, embora a falta de recursos para conter a propagação também contribua para os novos surtos.
Se, no Laos, o aumento de 22.000% do número de novos casos levou, na semana passada, o ministro da Saúde a pedir equipamentos médicos e medicamentos, no Nepal, o nível de ocupação nos hospitais está a subir rapidamente ao mesmo tempo que as reservas de oxigénio estão quase a acabar. Os centros de saúde também estão sob pressão na Tailândia, onde 98% dos novos casos são de uma estirpe mais infecciosa, e algumas nações insulares no Oceano Pacífico enfrentam as primeiras ondas de covid.
É certo que a população destes países é notoriamente inferior à da Índia, ainda assim, um rápido olhar à evolução do número de novos casos em nações como o Laos, o Nepal, a Tailândia, o Butão, o Camboja ou as Fiji mostra como, em relação ao mês passado, a taxa de crescimento é sempre superior a 500 por cento.
“É muito importante perceber que a situação na Índia pode acontecer em qualquer lugar”, afirmou Hans Kluge, diretor regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa, durante uma conferência na semana passada. “Este ainda é um grande desafio.” Palavras que encontram eco nas de Henrique Lopes, especialista em Saúde Pública da Universidade Católica Portuguesa, quando afirma, “se isto fosse um jogo de poker, o vírus teria ainda algumas cartadas a jogar”.
Números reais podem ser muito superiores aos oficiais
No dia 1 maio, a Índia registou um recorde de 401 993 novos casos nas 24 horas anteriores e as mortes atingiram um máximo de 3 689 no dia seguinte. Mas Henrique Lopes afirma ser impossível “morrerem apenas duas ou três mil pessoas por dia, num país onde há cerca de 400 mil novos casos oficiais” e refere que, na Índia, há muita gente sem dinheiro para ser testada, o que faz com que os valores indianos possam ser, na realidade, muito superiores aos contabilizados oficialmente.
“Na Índia, por dia, em média, morrem cerca de 45 mil pessoas de diversas causas. Não acredito que por um aumento de 3 mil mortos tivessem os cemitérios em rutura. É impossível que o aumento de 10% de mortalidade causasse uma ecatombe nos cemitérios”, explica Henrique Lopes. Atualmente, hospitais e crematórios do país fazem turnos extras para lidar com os doentes e o crescente número de mortes. Para agravar a crise, os centros de saúde também enfrentam escassez de oxigénio, e não têm capacidade para tratar os doentes afetados pelo coronavírus.
O especialista refere ainda que 80% dos diagnósticos que estão a ser feitos na Índia são na região Bombaim, mas que, apesar de as zonas rurais não terem diagnóstico, o vírus não conhece fronteiras nem limitações de municípios e existirá também nesse locais.
De acordo com Ali Mokdad, diretor de estratégia para saúde da população da Universidade de Washington, a situação é “muito séria” e “novas variantes exigirão uma nova vacina e um reforço para quem já foi vacinado”, sendo que “as dificuldades económicas dos países mais pobres tornarão a batalha ainda mais difícil”.
Apesar de a Covax – coligação de iniciativas globais de vacinas que visa combater o chamado nacionalismo vacinal – esperar ser capaz de fornecer vacinas a pelo menos 27% da população dos países mais pobres, em 2021, as diferenças são notórias.
Enquanto países como Israel, o Reino Unido e os Estados Unidos já administraram, pelo menos uma dose de vacina, respetivamente a 60%, 52% e 44% da população e garantiram centenas de milhões de doses, nações como a Tailândia ou o Laos deram a primeira dose a cerca 2% da população, enquanto a Síria, a Líbia, o Sudão, a Nigéria e o Congo, entre outros, não conseguiram ainda vacinar sequer 0,1% da população.