Não foi surpresa para Sofia Braga, oncologista no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, e para a sua equipa uma das conclusões da sua investigação mais recente: o cancro da mama nas mulheres mais jovens é mais agressivo do que em idades mais avançadas. “Encontrámos carcinomas da mama com caraterísticas piores em mulheres abaixo dos 35 anos, uma conclusão já esperada, é certo. De qualquer maneira, uma coisa é colocar a hipótese e outra é confirmá-la”, esclarece à VISÃO a médica, que liderou o estudo.
O objetivo da equipa era explorar uma área que, de acordo com Sofia Braga, ainda tem “pouco treino”. “Temos uma experiência de décadas com mulheres que já estão na menopausa, mas o aumento grande de casos deste cancro em mulheres que ainda não estão na menopausa e que são muito jovens fez-nos perceber que existe uma necessidade não suprida”, explica.
A oncologista conta que começou a receber com frequência – todos os meses – mulheres com menos de 35 anos e que a sua equipa percebeu que o tratamento e a comunicação da doença e do diagnótisco é acolhida de forma muito diferente nas várias idades. “Não só as expectativas da mulher, mas também aquilo que ela vai aceitar fazer para prolongar a vida, por exemplo… tudo é muito diferente”, esclarece Sofia Braga.
O que foi surpreendente neste estudo, explica a investigadora, foi encontrar uma taxa de sobreviência um pouco abaixo do que se esperava e, mais ainda, descobrir tumores com caraterísticas biológicas tão mais agressivas nas mulheres mais jovens. Mas já lá vamos.
A investigação, publicada recentemente pela Sociedade Europeia de Oncologia Médica, foi realizada a partir da análise de 207 mulheres, entre os 18 e os 35 anos, que foram diagnosticadas com cancro da mama, entre 2008 e 2017, em dez hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo. Este estudo é retrospetivo, ou seja, as doentes envolvidas não começaram a ser seguidas no momento em que receberam o diagnóstico, mas olhou-se para trás. “Analisámos as caraterísticas das doentes, da doença e os tratamentos que foram realizados. E depois, claro, os resultados”.
Estadiamentos avançados e fatores biológicos
A equipa encontrou maior agressividade dos carcinomas da mama em mulheres abaixo dos 35 anos, relativamente a uma população de cancro da mama que não tenha sido selecionada pela idade, de dois tipos: maior agressividade no estadiamento, ou seja, a doença já estava muito avançada (já se tinha espalhado para gânglios e órgãos, ou o tumor era já muito grande); e maior agressividade na biologia das células que compõem o tumor. “Encontrámos agressividade no estadiamento – 46% das doentes estavam já no estadio 3 – e encontrámos caraterísticas biológicas de agressividade, com 30% das doentes que eram HER2 positivo e 20% das doentes que eram triplo negativo”, explica a investigadora.
As células cancerígenas com níveis mais elevados do que o normal da proteína HER2 são denominadas HER2 positivas. Já o termo triplo negativo significa que as células não possuem recetores de estrogénio e progesterona, e também não apresentam um aumento da proteína HER2.
Relativamente aos indicadores de proliferação, a equipa percebeu que 80% das doentes tinham um dos indicadores de proliferação, o KI67, acima dos 20%. “Se olhássemos para uma população de 200 doentes com mais de 70 anos, quase nenhuma delas teria o KI67 acima dos 20%. Mas na nossa população a percentagem foi de 80%”, explica Sofia Braga.
“Para mim, perceber que o indicador de proliferação KI67 acima de 20% foi encontrado em 80% das doentes com menos de 35 anos foi muito supreendente”, diz.
A médica afirma que ainda não se conseguiu encontrar uma razão evidente para esta diferença biológica entre as mulheres mais jovens e as mais velhas, mas refere que o ambiente hormonal pode ter alguma influência. “O carcinoma da mama alimenta-se de estrogénio e as mulheres mais novas têm quantidades maiores de estrogénio, mas a gravidez e a amamentação também podem influenciar, porque são estados complexos do ponto de vista hormonal…”, esclarece. Isto pode predispor as mulheres a cancros com taxas de proliferação mais elevadas, que podem ser mais difíceis de eliminar e que obrigam, normalmente, a tratamentos mais agressivos.
Diagnóstico tardio
Os estadiamentos avançados neste tipo de cancro acontecem principalmente por duas razões: em primeiro lugar, as mulheres mais novas não vão tanto ao médico, em geral. “Elas sentem qualquer coisa na mama mas pensam que é por estarem a amamentar, porque já tinham um fibroadenoma… não se preocupam tanto como uma senhora de 60 anos”, diz Sofia Braga.
Além disso, este tipo de cancro, por ser muito agressivo, cresce depressa e há mulheres que, apesar de fazerem mamografias todos os anos, desenvolvem cancro em seis meses. “São os chamados tumores dos intervalos e, nestes casos, não há como controlar, o cancro apanha-as de surpresa”, explica.
Em Portugal, existem 6 mil novos casos de cancro da mama por ano e 1500 mortes. Além disso, a quantidade de doentes, no geral, que está livre desta doença após cinco anos é de 90%. Nas mulheres abaixo dos 35 anos, essa percentagem desce para os 80%.
Por isso mesmo, e apesar dos valores animadores, a médica acredita que se deve aumentar a consciencialização das mulheres – devem estar atentas ao seu corpo e ir ao médico quando sentem qualquer alteração nas mamas – e da população em geral para o carcinoma da mama em idades mais jovens, porque o momento do diagnóstico pode marcar a diferença entre salvar ou não uma mulher.
A “montanha por escalar”
Muitas das mulheres abaixo dos 35 anos ainda não tiveram todos os filhos que querem ter. “Isso é uma montanha por escalar, para nós”, refere a médica. Isto porque, sendo o cancro da mama uma doença intimamente ligada às hormonas sexuais femininas – estrogénio e progesterona -, o objetivo é “encerrar” o eixo hipotálamo-hipófise-ovário. “Fechar essa feminilidade nas mulheres faz com que elas deixem de poder ser mães. Isso é um problema complexo”, explica Sofia Braga.