À medida que surgem novos estudos, é cada vez mais reforçada a noção de que indivíduos com demência são um grupo particularmente vulnerável à Covid-19. No verão de 2020, Um grupo de cientistas da Universidade de Exeter, em Inglaterra, e da Universidade de Connecticut, nos EUA, verificou uma correlação entre as pessoas portadoras de um genótipo que predispõe para a doença de Alzheimer e o risco de contrair e ser internado por causa da Covid-19. Agora, um novo estudo, baseado em 61.9 milhões de registos médicos dos EUA, também verificou que as pessoas que sofrem de demência, em particular afro-americanos, têm uma maior probabilidade de contrair Covid-19.
O estudo, publicado no jornal Alzheimer’s & Dementia, verificou que, de um total de 15,770 pessoas com Covid-19 nos seus registos, 810 sofriam de demência. Quando compararam os dados demográficos de todos estes pacientes – idade, género e etnia – os investigadores concluíram que as pessoas com demência tinham o triplo do risco de contrair Covid-19. Depois de ajustarem as suas análises para situações de risco do vírus, como residência em lares de idosos e condições físicas como obesidade e problemas cardiovasculares, os números baixaram, mas mantiveram uma alta discrepância: com este ajuste, as pessoas com demência tinham o dobro da probabilidade de ficar infetadas. Quanto ao risco de hospitalização, os investigadores concluíram que pessoas com demência tinham um risco 2.6 vezes superior ao das restantes pessoas e, por sua vez, apresentavam um risco 4.4 vezes maior de morrer.
Entre estes dados, os investigadores realçaram que os pacientes afro-americanos com Covid-19 e demência apresentavam uma taxa de hospitalização 20% superior à de pessoas brancas na mesma condição, apesar de a sua taxa de mortalidade ser semelhante uma vez hospitalizados. Estas conclusões são consonantes com estudos anteriormente realizados que têm demonstrado o impacto desproporcional da pandemia em comunidades afro-americanas e latinas dos EUA, devido às suas condições socioeconómicas mais frágeis.
No entanto, as razões que explicam esta discrepância no maior risco de pessoas com demência contraírem Covid-19 ainda não são claras. De acordo com os autores do estudo e outros investigadores, pode tratar-se de razões de ordem cognitiva e psicológica. “As pessoas que sofrem de demência são mais dependentes dos outros para assegurar a sua segurança, para se lembrar de usar máscara, para manter uma distância social das pessoas”, explicou a médica Kenneth Langa ao New York Times. “Há uma deficiência cognitiva e estas pessoas estão em maior risco por isso.”
Por outro lado, esta discrepância também pode ser explicada por razões de ordem neurológica. Segundo Maria Carrillo, diretora do jornal que publicou o estudo, a infeção da Covid-19 está associada a inflamações dos vasos sanguíneos e outros aspetos do sistema circulatório. Uma vez que muitas pessoas com demência já sofrem de problemas vasculares, estes podem ser agravados pelo vírus. Esta conclusão é coerente com as descobertas do estudo, uma vez que os seus autores verificaram que os pacientes com demência vascular mostravam um maior risco de infeção que os pacientes com Alzheimer ou outros tipos de demência.
Perante esta incerteza e as limitações do estudo, como a falta de informação sobre as condições socioeconómicas das pessoas e o seu estilo de vida, os autores realçaram que devem ser realizadas novas investigações sobre o tema para obter respostas mais robustas. Contudo, apesar destas dúvidas, algo é certo para Rong Xu, uma das co-autoras do estudo: é prioritário apoiar estas populações mais vulneráveis à Covid-19.
Perante as descobertas destes estudos, Portugal deve estar particularmente atento a este problema. Segundo o mais recente relatório da Alzheimer Europe, O número de pessoas com demência em Portugal está a crescer progressivamente, sendo previsto que, em 2050, seja mais do dobro do que atualmente: de 193.516 em 2018 (1,88% da população) para 346.905 em 2050 (3,82% da população), valores que ultrapassam a tendência europeia.