As mutações são um processo natural na evolução dos vírus e, à medida que encontra resistências, o SARS-CoV-2 está a reagir como seria de esperar, adaptando-se para sobreviver e continuar a disseminar-se. Entre as variantes identificadas recentemente – a britânica, a sul-africana e a brasileira –, salta à vista uma característica comum a todas, a da fácil propagação, precisamente porque só assim ganham expressão e suscitam a atenção – e preocupação – da comunidade científica.
É em função dessa capacidade de se espalharem com maior facilidade, quando comparadas com a variante mais comum do novo coronavírus, que os vários governos estão a intensificar as medidas de contenção, um pouco por todo o mundo. Mas, além de contribuírem para um aumento mais acelerado do número de infetados, há agora indícios de poderem tornar-se uma ameaça maior, não apenas por via da pressão crescente sobre os sistemas de saúde, mas também pela maior gravidade dos sintomas.
Aqui fica um ponto de situação sobre o que se sabe sobre cada uma destas variantes, pelo menos duas já a circular em Portugal. A boa notícia é que as vacinas mantêm-se eficazes face a estas mutações – e mesmo no caso de surgir alguma em que deixem de o ser, os especialistas asseguram que não será difícil nem moroso adaptá-las de modo a conservarem a eficácia.
Variante britânica: mais mortífera?
Detetada em setembro, em Inglaterra, representava já um quarto dos casos positivos em Londres, no mês de novembro, e dois terços em meados de dezembro. O crescimento exponencial obrigou o governo britânico a medidas extraordinárias, com o primeiro-ministro Boris Johnson a decretar o confinamento geral, incluindo o fecho das escolas.
Em Portugal, a presença desta variante começou a ganhar força no início de janeiro e foi esse o argumento utilizado por António Costa para encerrar os estabelecimentos de ensino, na passada sexta-feira, 22, dia em que a prevalência da mutação britânica atingiu os 21%, segundo o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA). Os especialistas estimam que possa chegar aos 60% até meio de fevereiro, tendo em conta a capacidade de se propagar mais depressa – entre 30 a 70 por cento acima da variante comum.
Para agravar, novos dados divulgados pelo Reino Unido indiciam que esta variante pode ser mais perigosa do ponto de vista clínico. Resultados preliminares, revelados pelo conselheiro científico do governo britânico, Patrick Vallance, sugerem uma mortalidade 30% maior do que na variante comum, em pacientes com mais de 60 anos.
“É um aumento significativo”, reagiu Anthony Fauci, o epidemiologista norte-americano que lidera a equipa do novo presidente Joe Biden no combate à pandemia, isto apesar da prudência dos responsáveis britânicos. “Há muita incerteza à volta destes números”, sublinhou Patrick Vallance, acrescentando que é necessária mais investigação para ter uma noção mais precisa acerca da potencial ameaça. “Mas claro que é uma preocupação que haja um aumento de mortalidade a par do aumento da transmissibilidade”, reconheceu, sobre uma variante que já foi identificada em mais de 50 países.
Quer a Pfizer-BioNTech quer a Moderna já vieram a público garantir que as suas vacinas, ambas já no mercado (as únicas que estão a ser administradas em Portugal até ao momento), são eficazes contra a variante britânica.
Variante sul-africana: mais resistente
Além de altamente contagiosa – cerca de 50% acima da variante comum, acreditam os cientistas -, a variante sul-africana parece mais resistente aos anticorpos desenvolvidos por quem já esteve infetado com o SARS-CoV-2. O mesmo é dizer que alguém que já sofreu de covid-19, através da variante comum, pode voltar a contrair a doença, por via da variante sul-africana.
A neutralização pelas vacinas também pode ficar comprometida com esta mutação, se bem que a Pfizer-BioNTech já esclareceu que a sua solução é eficaz. Já a Moderna assumiu nesta segunda-feira, 25, que a eficácia da sua vacina mantém-se preservada, mas numa proporção menor. Como medida preventiva, a farmacêutica norte-americana está a desenvolver uma possível dose adicional da vacina contra a variante sul-africana, a ser administrada um ano mais tarde, se os próximos estudos vieram a mostrar falhas na inoculação. Não será uma surpresa, de resto, se futuras mutações vierem a obrigar a atualizações das vacinas. À partida, estas adaptações não serão um problema, garantem os especialistas. A vacina da gripe é disso um exemplo, uma vez que as mutações do vírus influenza também implicam ajustes ao longo dos anos.
Identificada em 18 de dezembro, e já detetada em mais de 20 países, Portugal incluído (um caso isolado), ainda é cedo para perceber se a variante sul-africana poderá ser “potencialmente mais perigosa” do que a do Reino Unido, como admitiu, na sexta-feira, 22, João Paulo Gomes, investigador do INSA e coordenador em Portugal dos estudos sobre a diversidade genética do novo coronavírus. Até ver, não há dados que indiquem uma maior gravidade dos sintomas da doença.
Variante brasileira: mulher reinfetada
Está a ser comparada à “versão” sul-africana do novo coronavírus, por combinar as mutações responsáveis pelo aumento da transmissibilidade com as que “enganam” os anticorpos que supostamente deviam fornecer imunidade. Desde que foi identificada, em 11 de janeiro, já foi confirmado um caso de reinfeção: uma mulher de 29 anos que sofreu de covid-19 em março e voltou agora a contrair a doença, através da variante brasileira.
O epicentro desta nova mutação está localizado em Manaus, capital do estado do Amazonas. Há meses que o aumento de novos casos na região intriga alguns cientistas, uma vez que era suposto uma boa percentagem da população estar imunizada (30% para certos investigadores, mais de 70% para outros), depois de ter sido infetada durante a primeira vaga da pandemia.
Por ser tão recente, ainda não há informação atualizada sobre a eficácia das vacinas contra esta variante que a Organização Mundial de Saúde já classificou de “preocupante”.